(trecho do livro)
a desgrandeza é de Deus.
Manoel de Barros
novelo que a vida enrola,
nos versos eu desembaraço.
Chico Lobo
novelo que a vida enrola,
nos versos eu desembaraço.
Chico Lobo
Encontramos
esboçado em Gilles Deleuze um dos problemas que tencionamos desenvolver, pois nos parece que
ele toca de perto aquilo que em Manoel de Barros constitui a experiência do
deslimite. Afirma Deleuze que
“Escrever
não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria vivida. A
literatura está antes do lado do informe ou do inacabamento. (...) Escrever é
um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa
qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de
Vida que atravessa o vivível e o vivido.”
(Deleuze, Clínica e crítica. São Paulo: Editora 34, 1997, P. 11 )
A
Vida é renascer constantemente, a todo tempo e instante. Por conseguinte, a
Vida é metamorfose, arte. A Vida nunca nasce, quem nasce são os indivíduos. A
Vida sempre renasce nos indivíduos que nascem. A Vida, portanto, é puro renascer:
por nunca nascer, a Vida também jamais morre (quem morre são os indivíduos). A
Vida não é uma, mas muitas: são todas as que tivermos a potência de inventar e
criar, conjugando nosso viver com a Vida
que em si mesma é criação, Arte.
A
Vida é um processo que atravessa nosso vivido e rompe os limites utilitários
deste; do mesmo modo que o Sentido , quando trabalhado pelo poeta, emerge na
linguagem extravasando as significações dominantes que prescrevem à palavra um limite. O deslimite é o processo que faz do
inacabamento o estado sempre renovado que não deixa com que as coisas acabem,
sendo então reinventadas pelo processo criativo ― tanto na poesia como na vida.
Em
uma primeira aproximação, o deslimite pode ser compreendido como um processo ao
mesmo tempo estético e existencial, no
qual vida e poesia se mostram como as
duas faces de uma mesma Vida a qual não se pode impor uma forma ou limite
. Esta Vida somente se deixa apreender em uma experiência de devir.
O
devir não é uma forma ou algo de determinado, mas um processo no qual os
seres atingem seus deslimites (conforme
veremos ao longo do estudo) . Atingir o
deslimite não significa destruir-se ou negar-se. Ao contrário, é o limite que
destrói a invenção que se pode e se deseja. O deslimite , portanto, é uma experiência com a Vida, e não com a morte ( nos vários
sentidos que essa palavra pode ter).
Embora
seja uma experiência eminentemente poética, isso não significa que ela seja
suscitada apenas pela leitura de poesia. A essência de tal experiência é
exatamente nos ensinar a alargar a compreensão do que seja poesia, como faz
Manoel de Barros, para que a vejamos em todas as coisas que, rompendo seus limites,
deixam ver a Vida.
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