quinta-feira, 27 de agosto de 2015

gilles & manoel

                                                                        
(trecho do livro)

 a desgrandeza é de Deus.
Manoel de Barros

novelo que a vida enrola,
nos versos eu desembaraço.
Chico Lobo

Encontramos esboçado em Gilles Deleuze  um dos  problemas que  tencionamos desenvolver, pois nos parece que ele toca de perto aquilo que em Manoel de Barros constitui a experiência do deslimite. Afirma  Deleuze que 

“Escrever não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria vivida. A literatura está antes do lado do informe ou do inacabamento. (...) Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e  o vivido.” (Deleuze, Clínica e crítica. São Paulo: Editora 34, 1997, P. 11 )     
                                     
A Vida é renascer constantemente, a todo tempo e instante. Por conseguinte, a Vida é metamorfose, arte. A Vida nunca nasce, quem nasce são os indivíduos. A Vida sempre renasce nos indivíduos que nascem. A Vida, portanto, é puro renascer: por nunca nascer, a Vida também jamais morre (quem morre são os indivíduos). A Vida não é uma, mas muitas: são todas as que tivermos a potência de inventar e criar, conjugando nosso viver com a Vida  que em si mesma é  criação, Arte.
A Vida é um processo que atravessa nosso vivido e rompe os limites utilitários deste; do mesmo modo que o Sentido , quando trabalhado pelo poeta, emerge na linguagem extravasando as significações dominantes que prescrevem à palavra um limite.  O deslimite é o processo que faz do inacabamento o estado sempre renovado que não deixa com que as coisas acabem, sendo então reinventadas pelo processo criativo ―   tanto na poesia como na vida. 
Em uma primeira aproximação, o deslimite pode ser compreendido como um processo ao mesmo tempo estético e existencial,  no qual  vida e poesia se mostram como as duas faces de uma mesma  Vida  a qual não se pode impor uma forma ou limite . Esta Vida  somente se deixa  apreender em uma experiência  de devir.            
 O devir não é uma forma ou algo de determinado, mas um processo no qual os seres  atingem seus deslimites (conforme veremos ao longo do estudo) .  Atingir o deslimite não significa destruir-se ou negar-se. Ao contrário, é o limite que destrói a invenção que se pode e se deseja. O deslimite  , portanto, é uma experiência  com a Vida, e não com a morte ( nos vários sentidos que essa palavra pode ter). 
Embora seja uma experiência eminentemente poética, isso não significa que ela seja suscitada apenas pela leitura de poesia. A essência de tal experiência é exatamente nos ensinar a alargar a compreensão do que seja poesia, como faz Manoel de Barros, para que a vejamos em todas as coisas que, rompendo seus limites, deixam ver a Vida.





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