Quando olhei para a
janela de minha sala, vi pousado o passarinho que eu criava, e que há alguns
anos libertei. Mas agora ele estava ali, livre. Era um canário todo branco. Um
príncipe.Eu o ganhei preso em uma gaiola. Não aprecio gaiolas, tanto as que
prendem passarinhos quanto as que aprisionam almas.Porém, esse canário me
fora dado de presente, e achei por bem não recusar.Com o tempo, apeguei-me a
ele.Depois de anos de sua canora companhia, decidi soltá-lo próximo a árvores
do amplo Aterro do Flamengo. Não queria que ele morresse preso.Assim, o
libertei. Após alguma hesitação, o canário arriscou um voo. Não foi muito
longe.Suas asas nunca tiveram tanto espaço para explorar.Dei-lhe as costas,
embora eu não quisesse. Quando me voltei, segundos depois, ele já não estava
mais lá. Creio tê-lo visto entre as folhas de uma amendoeira que não distava
muito de onde o soltei.
Mas já faziam muitos anos
que o soltei.E agora ali estava ele, parecendo que foi ontem que tudo
aconteceu. Pelo jeito ele me perdoou, se é que ficou sentido comigo por obrigá-lo
à liberdade.
Apanhei um pouco de
comida e ofertei em minha própria mão.Sem medo, veio o canário pousar nela e
comer os grãos.Eu estava muito feliz com seu imprevisto retorno.Por onde ele
terá andado?Pensei comigo.Mas um canário vive tantos anos?Meditei.
De repente, ele abriu as
asas e voou novamente ao parapeito. Somente quando ele posou reparei que na
mesma janela já o esperavam dois pardais.Estes se mostravam ariscos, desconfiados.
Não sei ao certo se o
canário assobiou ou disse em palavras, mas de alguma maneira ouvi ele dizer aos
seus companheiros de rua e bando: “podem chegar perto dele, ele é amigo”.E os
três olharam para mim.
Peguei mais comida e
ofertei aos pardais. Mas nada de eles virem, ariscos que estavam.Então,
coloquei o alimento sobre a mesa.Eles voaram para perto do alimento e dele
comeram.Já olhavam para mim como que me reconhecendo.
De repente, eles viraram
crianças.Eram três crianças na minha frente.O canário e um dos pardais se
metamorfosearam em duas crianças que creio nunca ter visto antes.Mas um dos
pardais era agora uma criança da qual me lembrava bem: era meu irmão Dener!Mas
por que ele está assim criança? Pensei comigo. Este meu irmão já era adulto, já
passando dos quarenta. Não importa: me inclinei para abraçá-lo.Porém, nada
peguei, a não ser sua lembrança, pois me recordei que este meu irmão havia
morrido há apenas alguns dias.Ele olhou para mim e percebeu que eu me dei conta
de que aquilo era um sonho.Ele disse: “já vou indo...”, e chamou os outros dois passarinhos-crianças
para irem com ele.
Quando os três estavam
perto da janela, perguntei: “mas vocês são capazes de voar assim, apenas como
meninos e sem asas?”. “Podemos sim”, disse meu irmão para mim. Apontando para o
menino-canário, meu irmão me falou: “Foi ele que nos ensinou”.
E assim os três se foram:
enquanto eu despertava ,eles voavam atravessando o limiar da gaiola deste
mundo.
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