Encontra-se em Gilles
Deleuze as coordenadas de uma filosofia do agenciamento, uma filosofia do
aprender a andar ao lado de nossos intercessores.
Curiosamente, a
expressão “intercessor” remonta à Bíblia, e designa aquele que “abre as portas
do céu”. Um céu que não é apenas exterior, mas também interior. Em Deleuze, o
Céu é uma das imagens da Terra. E o intercessor que nos leva a ela pode
ser inúmeras coisas: não apenas um livro de filosofia, uma música, um poema,
enfim, uma obra de arte também podem sê-lo − com a condição de
aprendermos a andar ao lado desses intercessores, com as pernas de nosso
pensamento e de nossa sensibilidade.
[Um intercessor não nasce
da intercessão de opiniões idênticas ou semelhantes, mas do produzir singularmente uma área de
afeto onde não se diz mais "eu" ou "outro": ousa-se dizer
um "nós", mesmo que ainda em balbucio ou gaguejando.Um nós não nasce
da intercessão de conjuntos com contornos delimitados, pois o intercessor é um
"outsider", um "lado de fora" que incorporamos lá onde
deveria estar um contorno, para assim inventarmos limiares.O "lado de
fora" não é um fora que se opõe a um dentro, mas abertura para o fora que
se faz de dentro, encontrando um intercessor . Um intercessor é "aquele
que intercede a nosso favor". Mas intercede em relação a quais assuntos e
diante de quem?Os assuntos que pedem intercessores são sempre aqueles
verdadeiramente essenciais para que nós possamos , como dizia Nietzsche,
"nos tornar nós mesmos".O intercessor intercede por nós diante da
vida, diante do cosmos, diante daquilo que não podemos conhecer; ele é mão
estendida que sempre puxa para cima: não exatamente para cima de um palco ou de
um pódio, mas para um ponto onde nos distanciamos de nós mesmos, para assim
aumentar nosso horizonte e perspectiva. Ele intercede sobretudo diante de nós
mesmos, tornando-se a ponte entre nós e aquilo que verdadeiramente somos.
Contudo, um intercessor não existe com uma etiqueta nos avisando:"Eu sou
seu intercessor". Não raro, o intercessor está imperceptível aos olhos
daqueles que olham mais para os outros do que para si : embora o intercessor
possa estar maduro para eles, são eles que ainda não estão maduros para
encontrar o intercessor. De certa maneira, somos nós mesmos que produzimos nossos
intercessores quando,ativa e singularmente, desejamos produzir a nós mesmos,
fato este que expressa não apenas discernimento e virtude, mas também arte ]
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