No livro "Tratado sobre a reforma do entendimento", Espinosa persegue um fim: o aperfeiçoamento de si mesmo. Para esse aperfeiçoamento , porém, não existem modelos prévios a seguir, tampouco receita pronta para aplicar. Aperfeiçoar a si mesmo é, segundo ele e antes de tudo, aperfeiçoar a vida que se leva.Nesse projeto existencial de Espinosa, que ele colocou para si mesmo, o ponto principal diz respeito ao exercício do amor. Nesse sentido, uma frase do Tratado se apresenta como um estribilho, um refrão: "Nossa felicidade ou infelicidade depende da qualidade do ser com o qual nos unimos através do amor". Segundo Espinosa, o amor é a passagem a uma perfeição maior acompanhada da ideia de uma causa externa. A causa externa é exatamente o ser que amamos. Esse modelo vale tanto para pessoas como para as coisas.No amor , portanto, padecemos; isto é, padecemos a ação de algo externo, tanto uma pessoa como uma coisa ( um celular, um automóvel, um sorvete, uma bebida,etc.).No caso de um amor tendo como causa uma pessoa, devido ao fato do amor vir de fora, este mesmo fato pode produzir no homem a incerteza sobre existência do amor que o outro sente.Quando esta incerteza nasce, nasce também com ela um outro afeto: o ciúme ( embora o ciúme também possa ser aplicado ao amor pelas coisas materiais...). Imaginemos que um sol ilumina nosso rosto. De sua luz em contato com nosso rosto nasce um prazer, uma alegria: o calor. O amor é como esse calor que nasce quando a luz do sol toca nosso rosto. O amor não é a luz do sol, tampouco nosso rosto. Ele, o amor, é o calor que nasce desse encontro. Visto assim, ele é um efeito de um ser que existe fora de nós. Uma dúvida pode nascer naquele que ama desse modo: será que esse sol aquece melhor um outro rosto diferente do meu?Será que essa luz não me é exclusiva?Será que ele ilumina mais esse outro rosto do que o meu? Dessas comparações nasce uma flutuação dentro da alma. Essa flutuação é exatamente o ciúme. O sol que antes eu amava, eu agora o odeio, o odeio ao mesmo tempo em que o amo, e isto porque suspeito que sua luz ilumina mais um outro rosto que não é o meu. O ciúme é uma espécie de ódio. O ódio é o sentimento de uma passagem a uma imperfeição acompanhada de uma causa externa. O ódio, segundo Espinosa, é uma forma de tristeza. No ciúme, nossa alma passa do amor ao ódio, ou seja, vive sentimentos irreconciliáveis, irredutíveis, mas que dentro da nossa alma se tornam indiscerníveis, como se fossem a mesma coisa. Além da flutuação do amor ao ódio, do ódio ao amor, o ciúme também produz uma inveja do outro ser que acreditamos ser mais amado pelo ser que amamos.
Como então sair desse sofrimento do qual somos, de certa forma, causa?
Segundo Espinosa, devemos também conceber o amor como um afeto que nasce de uma causa interna.Não se trata, claro, do nosso ego essa causa, mas de um ser que não nos é externo, e que é interno igualmente a toda coisa, inclusive ao ser que nos é externo e que amamos na primeira forma de amor: é o sol que está dentro de cada coisa.Na vida ordinária, na qual o amor se confunde com a posse, vivemos o amor como algo que nos vem de fora. Mas há essa outra forma de amor que pode vir de dentro. Nessa forma de amor, não mais padecemos, mas somos de certa forma causa do amor. De certa forma, nós o produzimos: descobrimos dentro de nós um sol no qual nós nos irradiamos, possibilitando-nos ir além de nós mesmos; para assim, no doar-se e não na posse, encontrarmos a nós mesmos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário