Midas era um
homem que alimentava por dentro uma ambição desmedida por posses , dinheiro
e poder.
Querendo
aparentar ser o que não era, certa vez Midas
ajudou um homem em dificuldades , e a essa ajuda Midas deu grande publicidade, querendo dela extrair
popularidade.
Parecia que ele
se preocupava com o outro, mas na verdade ele estava usando o outro como meio
de obter fama, prestígio.
Dioniso viu
Midas ajudando o homem em dificuldades , pensou que ele agia por genuína bondade e quis recompensar Midas dando-lhe o poder de
realizar seu mais íntimo desejo. É no que mais se deseja que cada um revela
como é por dentro.
Midas então
revelou em seu pedido o quanto era pobre interiormente: seu desejo era que
virasse ouro tudo o que tocasse. Midas imaginava que assim teria a felicidade.
Dioniso
compreendeu que Midas não era por dentro como aparentava ser por fora. Mas
realizou seu mesquinho desejo, pois sabia que dali viria uma lição, ainda que
dolorosa.
Assim, sob o
toque ganancioso de Midas viravam ouro a
colher, a mesa, a cadeira, o copo...Mas viravam ouro também , uma estátua de
ouro, alguém que ele abraçava, o cão que
ele afagava, o passarinho que vinha pousar na sua mão...
Para seu desespero, igualmente virou estátua de frio ouro seu filho pequeno que ele pegou no colo . Depois,
viravam ouro a água, o arroz, a carne, a
maçã, o pão...antes que Midas pudesse matar a fome e saciar a sede.
Sentindo-se o
mais miserável dos homens, Midas então
chorou, e de longe eram ouvidas suas
lágrimas quicando no chão como moedas.
Midas descobria
assim que a loucura por acúmulo é a
pior das carências...Então, ele
busca Dioniso e pede uma cura para aquela pobreza de apenas no ouro ver riqueza.
Dioniso conduz
Midas até um rio que passava perto de uma aldeia pobre e o lava no fluxo de
suas águas. O rio ficou repleto de
pepitas de ouro que Dioniso partilhou
com os necessitados. Midas enveredou por uma estrada e sumiu...
Passou o
tempo, todos pensavam que Midas já estivesse
morto. Até que um dia ele retorna. Vestia-se parecendo um andarilho,
tinha a companhia de um cãozinho vira-lata e estava pousado em seu ombro um
passarinho como se ali fosse um ninho.
Midas se
mostrava simples por fora, mas por
dentro parecia enfim rico. Tal riqueza
vinha da cura que lhe fez Dioniso, que escondeu uma das pepitas no peito de
Midas , e de ouro se tornou seu coração
renascido solidário.
Midas agora
parecia ter aprendido, praticando-a, esta
lição de ouro de Espinosa: "Nossa suprema felicidade consiste em realizar
apenas aquelas ações que o amor e a generosidade nos aconselham". (Ética,
Parte Dois, proposição 49, escólio)
( Na Ética de
Espinosa, recebe o nome de “beatitude” a riqueza que nasce do conhecimento que
se partilha para potencializar a vida.
Em Manoel , beatitude é empoemamento , poesia emancipadora )
Riqueza autêntica
não é o número estampado na cédula do dinheiro, riqueza verdadeira é o papel
de que é feita a cédula, papel esse que veio da árvore como parte de uma
floresta. Riqueza de verdade não é o
número na moeda, mas o níquel de que ela feita, níquel que foi retirado do seio
da terra.
Riquezas
autênticas são o trabalho produtivo, o conhecimento, o afeto, os rios, os
mares, as florestas, o tempo...Na criança que nasce, o tempo é a riqueza da
vida futura; no idoso, o tempo é a riqueza da vida vivida.
Os juros são a
comercialização do tempo, a vida transformada em negócio financeiro . Ao
emprestarem um valor hoje para cobrarem
sobre ele 15% ao mês ou 340% ao ano de ganho e lucro, mês e ano se tornam a mercadoria que os bancos e financeiras
se acham os proprietários. Mês e ano são medidas do tempo. E tempo é vida. Assim , é da nossa vida que se
trata: eles a compram de nós e eles
mesmos a vendem para nós, lucrando abusivamente com esse comércio infame, como no
passado no qual seus antecessores históricos escravizavam seres humanos e os
comercializavam.
Hoje, os bancos
e a mídia financiada por eles pressionam o governo por cortes na educação e na
saúde, alegando estarem preocupados com a dívida pública. Mas , ao mesmo tempo,
pressionam pelo aumento da taxa de juros
abusivamente , cujo efeito perverso
imediato é aumentar exatamente a tal a dívida pública do governo , que se vê
obrigado assim a cortar gastos públicos , para assim pagar a dívida pública da qual os
bancos são os principais recebedores...
O efeito
calculado disso é tentar inviabilizar o governo, tornar impossível o cumprimento
de suas promessas no campo social, o que leva à insatisfação das camadas
populares com a política , fazendo crescer a base social das igrejas
fundamentalistas , que inoculam nessa mesma população a ideologia da “prosperidade”
, que é a mesma ideologia dos bancos, de tal modo que o dogma do carrasco se torna o mesmo que o da sua vítima...
Como ensinava
Espinosa, em situações assim a maior riqueza, a mais necessária, é a
indignação, desde que ela saia da reatividade individual-privada e ganhe o espaço público, tornando-se voz ativa em ação.