Os poetas
e filósofos gregos deram nomes diferentes para a "alma".
O mais famoso deles é Psiquê.
Na mitologia,
Psiquê formava um par com Eros, o Amor. Em grego, "Eros" também
significa "asas". Não as asas de pássaro, mas as asas de borboleta. Enquanto
os pássaros já nascem com asas, as asas da borboleta só nascem após
uma metamorfose. Pássaros nascem de ovos; borboletas , de casulos.
O casulo é uma
espécie de útero no qual a lagarta torna-se a artista que esculpe ,
pinta e borda a si mesma, para assim partejar-se outra: antes ela
rastejava, agora ela se alça e voa.
As asas que
elevam a alma são as do Afeto e das Ideias:
poesia e filosofia . Esse Afeto Pensante é
um dos sentidos de "phylo" em "phylo-sofia":
"amor por Sofia".
Sofia também é
um dos nomes da alma. Sofia é mais do que Razão. Em grego, "Razão" é
"Logos", palavra masculina. Enquanto "Razão" é raciocínio,
teoria e moral, Sofia é sensibilidade, criatividade, intuição e ética, assim
unindo o pensar à prática.
Outro nome da
alma é Pneuma. Em latim, pneuma é "spiritus": "sopro
quente e úmido", quente no sentido do calor da vida. Por isso, todo sopro
de vida "acalenta": "traz calor" que afasta o frio.
Pneuma também
é a brisa úmida que vem do oceano e vivifica o deserto, nele fazendo
brotar cores, flores, sementes, enfim, múltiplas vidas.
Quando o
recém-nascido nasce, antes de abrir os olhos ele inspira o pneuma , o sopro de
vida. Não são apenas os pequeninos pulmões do recém-nascido que se enchem de
ar, pois cada célula é acalentada pelo pneuma , inclusive as células
do nervo ótico, que assim se abrem para receberem a luz do mundo.
Esse primeiro
pneuma que o recém-nascido inspira o umbilica ao Sopro Cósmico da
respiração da Terra, nossa Mãe Ancestral. Não por acaso, meditar é
"medicar": prestar atenção na respiração que somos, respiração essa
que nos desperta para a compreensão de que , pela respiração, somos partes de
um todo cujas outras partes são os animais, as plantas, as florestas, enfim,
tudo o que vive e respira .
Este é o sentido
originário de "inspiração" : "encher-se de pneuma, sopro de
vida”. A cada vez que respiramos, trazemos para dentro de nós o sopro de vida
que irá se acrescer ao sopro de vida que vive em nós. Quando expiramos, parte
do pneuma que estava em nós retorna ao pulmão da Terra , para assim
ser de vida renovado.
Quando falamos
palavras que educam , o pneuma que partilhamos enche nossas
palavras com ar que oxigena as ideias de quem nos escuta. Talvez por isso
Clarice Lispector tenha dito: “Escrevo como se fosse para salvar a vida
de alguém”.
(Este texto é
uma pequena homenagem a Clarice, que faria aniversário nesta semana, dia 10 de
dezembro)
Recentemente entrou em minha casa um beija-flor. Ele foi atraído pela floração
da Espada de São Jorge que eu mantenho em minha sala , perto da janela.
Dizem que a Espada de São Jorge
repele as más energias e atrai as boas, sendo sua floração tão bela quanto rara.
Toda manhã eu recebo a visita
desse exímio bailarino da natureza,
atraído pelo néctar que as flores da Espada de São Jorge oferecem de graça.
Foi assim que descobri que os beija-flores também
cantam: quando entra na sala e avista as
flores, o beija-flor emite um canto breve e agudo, como a de um soprano
inspirado , e diante das flores ele “voa parado” ( como o beija-flor de que
fala o poeta Manoel de Barros).
Uma lição esse beija-flor me
ensina toda manhã : assim como a floração da Espada de São Jorge, as ideias que
oferecem néctar para a mente são raras, e para alcançá-las é preciso perseverantemente
“voar parado”, vencendo os pesos que puxam para baixo, o que requer mais arte
do que força.
E enquanto o beija-flor me
visitava hoje pela manhã cantando com especial alegria , li no jornal a notícia
do dia, do mês e das últimas décadas , sobretudo para a democracia , trazendo um “sopro de vida” para ela , para
nós: a prisão do general-golpista. Só falta o agora o chefe dele...@sem anistia
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