sexta-feira, 23 de agosto de 2013

o bom encontro, o agenciamento




Um texto, para mim,
é apenas uma pequena engrenagem
de uma máquina extratextual.

Gilles Deleuze


O bom encontro, o agenciamento, faz nascer um terceiro ser entre aqueles que se encontram. Este terceiro não é como um filho, uma vez que o filho pode viver, depois que cresce, longe dos pais; já o terceiro ser nascido do bom encontro só pode aumentar e crescer enquanto aqueles que se encontram crescem.Este terceiro devém  um novo ser do qual os dois que se encontram se tornam partes singulares, ativas.O novo ser nascido faz renascer como novos os seres que se encontram e o produzem. Este novo ser, este terceiro, não existe antes do encontro, mas de alguma forma ele já existe virtualmente na imanência da natureza.É este terceiro que torna inteligível a ação daqueles que passam a viver sob o seu sentido. Como diz Deleuze, uma obra , quando nasce do afeto à vida,também engendra  para a vida quem a fez.Um exemplo: a amizade. A amizade é um terceiro que nasce do encontro entre dois amigos, ela também é uma obra. Os amigos a produzem ao mesmo tempo que ela os produz como amigos.Este terceiro , a amizade, não vem de fora dos dois, pois ela nasce em seus íntimos como aquilo que os abre ao comum.A única coisa que vem totalmente de fora é a morte, diz Espinosa.A vida, ao contrário, vem sempre de um íntimo que se conecta a outro íntimo na intimidade da Vida. Esta intimidade não é uma interioridade, mas imanência da potência a si mesma.
A amizade torna os amigos  inteligíveis um para o outro mediante este terceiro que os torna amigos. A amizade não é apenas uma ideia comum a ambos. Ela também é um corpo comum, um terceiro corpo, mediante o qual os dois corpos passam a existir mais. Trata-se de um corpo expressivo, um corpo intenso não orgânico.Existir, para o corpo, é agir.A amizade é ideia comum a duas ideias, corpo comum a dois corpos. Comum não significa homogêneo; o comum é a relação de heterogêneos que produzem um terceiro deles diferente, e dos quais eles são partes ativas, intensas. A amizade não é algo que vem apenas de fora, e é por isso que ela somente se torna inteligível tornando inteligível o amigo como aquele que cria a amizade como encontro com a diferença, encontro este que gera alegria.O corpo comum dos amigos tem a amizade como ideia comum que faz o corpo agir mais: e um corpo age mais quando ele age pela amizade, pela generosidade.Para o corpo, agir não é apenas correr, saltar, pular; agir também é ouvir, olhar e mesmo se calar.
Um bom encontro, um agenciamento, nunca é feito apenas de dois, mas de três. As tiranias, os maus encontros, sim, são sempre feitos de dois: dois que rivalizam ou duelam, ou dois como dupla tirano-servo, onde o primeiro precisa do segundo e o segundo do primeiro. Do mau encontro nada nasce, embora dele sempre algo morre ou se enfraquece.
O terceiro que nasce do encontro dos dois não é um três que sucede numericamente ao um e ao dois. Diferentemente, o terceiro é potência que multiplica cada um por mais de um, pois os multiplica pela potência que os torna múltiplos, singulares.
Aristóteles dizia que a amizade, como virtude, é o justo meio entre o egoísmo e o altruísmo. No egoísmo a amizade está ausente, ao passo que no altruísmo ela se encontra em excesso. Assim, encontrar o justo meio ou justa medida seria o que nos torna amigos.Em Espinosa, diferentemente, a virtude é o esforço do desejo em  atingir ao seu limite. O limite de um desejo ou virtude nunca é outra virtude ou desejo , pois como poderiam as virtudes se autolimitarem , duelarem ou competirem!?Na verdade, um desejo como virtude é aquele que produz um terceiro desejo comum a outro desejo, terceiro desejo este que possibilita ao desejos  agenciados  desejarem  mais. O limite de um desejo nunca é o justo meio entre sua carência e seu excesso. O limite de um desejo é seu esforço para continuar desejo.



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