sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Manoel de Barros: os "nadifúndios" do poeta

 

Há dois sentidos para a palavra “nada”. O primeiro deles vem de “nihil.” Essa palavra é a origem de niilismo. Além de “nihil” significar “nada”, nihil também significa “nulo”. No Direito, por exemplo , usa-se a expressão latina “nihil” para designar atos que são juridicamente nulos.

Nesse último sentido, niilismo não é um culto ao “Nada” ou ao “Nirvana”, niilismo é um comportamento que é nulo, sem autenticidade. Por exemplo, o inelegível  vivia evocando a ideia de “Verdade”, porém essa ideia de “Verdade” na boca dele é nula , pois anula a própria ideia autêntica de verdade.

A “Verdade” dele não é uma mentira, é uma “nulidade”: enquanto a mentira se explica no âmbito da linguagem, a nulidade é mais grave, uma vez que ela expressa uma estreiteza existencial.

Muitos espertalhões evocam a palavra “Deus” como cabo eleitoral deles. Embora falem em Deus para combater o “ateísm0 c0munist4”, esse Deus deles, porém, anula a própria ideia do que se espera que seja Deus: esses espertalhões anulam a ideia de Deus muito mais do que a negação feita pelos ateus.

O autêntico anarquismo nega a necessidade de partidos, mas não nega a política; já o PSL e os partidos do “centrão” são nulos de ideias políticas. Uma coisa é negar uma realidade, outra bem diferente é tornar nula uma realidade pela inautenticidade com a qual ela é usada.

Mas há outro sentido para a palavra “nada”, originado do latim “nata” ( raiz de “natal”: “lugar onde se nasce”). Esse sentido talvez explique por que Manoel afirma que sua poesia vem de suas “natências” ou “nadifúndios”, enquanto riqueza de vida para nos proteger das  nulidades  niilistas.

O saber que apreende esses “nadifúndios” chama-se: ignorãça. Ignorãça não é ignorar o nome das coisas, ignorãça é saber de coisas que ainda não têm nome : “As coisas que ainda não têm nome são mais ditas pelas crianças”, diz o poeta. Uma caneta de ouro nas mãos de um niilista, mesmo que ele tenha poder e dinheiro, escreve só pobreza. Já o simples lápis do poeta retira do nada de suas natências a sua riqueza.

O poeta põe nascimento em seu lápis para que a gente, ao lê-lo, de vida se enriqueça:

“Na ponta do meu lápis tem apenas nascimento.” (Manoel de Barros)

“Não há arte que não seja uma liberação de uma força de vida. Não há arte da morte.” (Deleuze)





Os alunos da pesquisa sobre Manoel de Barros que coordeno ganharam um prêmio pela apresentação que fizeram na Semana de Iniciação Científica da universidade . Fiquei muito feliz por eles , a Maria Fernanda Duarte e o Henrique Borges. Eu e o professor Marcos Aurélio Marques estamos organizando para o dia 11 de novembro um evento em homenagem a Manoel que é um desdobramento da pesquisa. O evento e a pesquisa têm por título um dos versos de Manoel de que mais gosto: "Na ponta do meu lápis há apenas nascimento".






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