As ciências
humanas ensinam que o ser humano nasceu de um processo: a sublimação. O ser
humano é, ao mesmo tempo, o criador desse processo e o seu produto. A arte, a
cultura e a civilização são resultados desse ato de sublimar.
A palavra
“sublimação” não significa repressão daquilo que em nós é animal e instintivo,
pois em “sublimação” está presente a ideia de “sublime”, um afeto nascido da
ampliação ou potencialização do nosso pensamento agenciado à sensibilidade . Na
física, “sublimar” designa a passagem de uma substância de um estado sólido,
pesado, para um estado gasoso ou fluido.
Assim, sublimar
é transmutar uma energia, ampliá-la, encontrando para ela novos meios, canais e
objetos. A cultura humana é um processo de transmutação de uma energia animal,
instintiva, pulsional. Na natureza, essa energia faz-se instinto que, por intermédio
dos órgãos do corpo, busca satisfazer-se imediata e diretamente . A cultura
nasce da sublimação-potencialização dessa energia , para assim criar para ela
novos objetos, objetos simbólicos.
“Potência” e
“energia” não são termos sinônimos. A potência é uma transmutação da energia,
para assim fazê-la força criadora. Transmutar é fazer nascer, de uma realidade
dada, uma realidade nova (tal como a borboleta que se transmuta da lagarta).
A potência se
aumenta transmutando-se no produto que ela cria. A energia pulsional é uma
expressão das mesmas leis que regem e determinam o mundo físico; porém a
potência vital é criação de novos sentidos para a vida, por intermédio de
ideias, cultura e arte.
Mas a sublimação
tem seus inimigos, que são os mesmos inimigos da cultura, da arte e da ciência.
O inimigo da sublimação não é o instinto ou a pulsão, o inimigo da sublimação é
a barbárie. “Barbárie” significa “aviltamento”, no sentido de “tornar baixo”,
“vil”. A barbárie torna o homem baixo e vil , apequenando-o.
A lógica da
barbárie é a da guerra. Guerra não no sentido de meio de luta contra as
tiranias e injustiças, mas guerra como um fim nela mesma, a guerra vil como
instrumento da necr0polític4.
Enquanto a
sublimação é o esforço vital para vencer as tiranias, a barbárie faz da tirania
o seu Deus teológico-político. A barbárie não faz política, ela faz guerra
contra a política; a barbárie não promove cultura, e sim guerra contra a
cultura. A guerra deles é a guerra suja: com uma das mãos seguram armas , com a
outra celulares para bombardearem fake news , como o bolsonarista governador do
Rio Cláudio Castro e suas vilezas.
( imagem: em
protesto contra a violência , uma moradora de uma comunidade pobre do Rio
planta flores no buraco das balas...)
“Cada ser vivo existe dentro de seu mundo próprio” . Esse enunciado é do etólogo Jacob von Uexküll. O mundo próprio de um ser vivo não se explica apenas por propriedades físicas ou geográficas. O mundo próprio de um passarinho, por exemplo, inclui o território que ele deseja constituir, e este território já existe no desejo que o deseja, antes de o passarinho o constituir de fato como porção de espaço e parte da floresta. O mundo próprio é dele tanto quanto ele é do mundo próprio. Sem um mundo próprio a habitar seu desejo , um passarinho definha, para de cantar e nem mesmo pode voar, a não ser para fugir dos passarinhos que já possuem um mundo próprio. Não basta ter o mundo próprio como forma em rascunho a viver dentro do desejo que o vislumbra, é preciso também coragem e afirmação para efetuar um mundo próprio , pois efetuar um mundo próprio é efetuar a si mesmo, compondo-se com o espaço, conquistando para si um horizonte. Pois somente este, e não cercas (físicas ou simbólicas), deve ser o englobante de nosso chão.Somente a partir de um mundo próprio podemos nos horizontar. Do contrário, teremos apenas um discurso escapista, de fuga do mundo, niilista.
O mundo próprio não é um círculo ou bolha, pois essas imagens são portadoras de limites. Sabemos o que é um círculo porque o vemos de fora e o distinguimos de outras figuras geométricas, como o triângulo ou o quadrado. O círculo possui limites além dos quais a geometria não acaba, vez que ela se expressa ainda na existência de outras figuras. Mas o mundo próprio de um ser vivo é tal que , para ele, não existe outra coisa.
O mundo próprio de um ser vivo é feito de limiares: ele é um horizonte que sempre recua, além do qual um ser vivo não pode ultrapassar , pois marca os limites de seu conhecimento. Não se trata de um idealismo ou subjetivismo, dado que no mundo próprio há um mundo : o mundo próprio é um mundo, ele é o mundo dentro do qual encontramos um mundo subjetivo e objetivo, um dentro e um fora, um ser que percebe e um ser percebido. O mundo próprio vai em duas direções: para dentro e para fora, e é sempre no meio que ele se encontra mais vivo, como relação. Os extremos de um mundo próprio são indetermináveis, deslimitados, dado que coincidem, em um dos extremos , com o intangível mundo psíquico e , de outro, com um horizonte sempre aberto. O mundo próprio existe fora de um aparato psíquico, e o engloba. Ao mesmo tempo, o mundo próprio não existe sem um aparato psíquico que o apreenda como a existência de um fora.
Vejamos o caso de um carrapato, um simples carrapato. Como todo ser vivo, ele vive em um mundo próprio. Seus aparatos sensórios são voltados para fora. Eles buscam signos. O aparato sensório do carrapato torna determinados acontecimentos signos para ele. Esses acontecimentos o afetam. É por intermédio desses afetos que o carrapato forma ideias do mundo que o cerca, para assim agir sobre ele. O mundo próprio é o horizonte do poder de agir de um ser vivo.
Conforme nos ensinava Cláudio Ulpiano em suas belíssimas aulas ( http://claudioulpiano.org.br/), o carrapato possui três afetos. Seu mundo gira em torno desses três afetos. Parecem poucos? Mas o mundo do avarento gira em torno de apenas um afeto: sua avareza; o mundo do pretensioso gravita ao redor de apenas um afeto: a pretensão.... Poucos afetos governam a vida dos homens. Pois bem, o carrapato possui três afetos: pela luz solar, pelo odor do suor de um mamífero e pelo calor do sangue . O carrapato é cego. Ou melhor, “cegueira” é uma noção que só tem sentido em um mundo próprio no qual os seres tenham visão. No mundo próprio do carrapato a visão não tem sentido, não existe. Nenhum carrapato conhece o que é a visão. Logo, nenhum carrapato sente que lhe falta o que não existe para ele. A falta não faz parte de um mundo próprio. Somente quando perdemos nosso mundo próprio, ou quando este se fragiliza, somente assim é que a "falta" vem nos assombrar...
O afeto pela luz solar conduz o carrapato a buscar sempre subir. Ele escala o que puder escalar, sobretudo paredes e árvores. Ele escala seguindo a orientação da verticalidade. Ele sobe e espera. Ele espera que o objeto de seu segundo afeto se lhe apresente. Um carrapato é capaz de ficar anos à espera. Enquanto espera, ele entra em um estado que para nós se assemelharia à morte. Seu metabolismo se aproxima de zero. Tudo nele quase cessa de se mover. O único fio que o liga à vida é seu mundo próprio virtualmente envolvido em seus afetos, na profundeza da noite de sua vida psíquica.
É o odor do suor de um animal que se aproxima que ressuscita o carrapato daquela morte mimetizada. O odor do mamífero se anuncia como a boa nova advinda do horizonte de seu mundo próprio. O carrapato esperava sem esperanças, pois há um quê de dúvida em toda esperança , ao passo que no carrapato a espera era sem hesitações ou dúvidas acerca da vinda do esperado: essa vinda não era especulada , ela era virtualmente sentida na certeza instintiva de uma força que desconhece derrota antecipada. Sem ter olhos, o carrapato sabe da presença de um mamífero pelo odor de seu suor, sentido a dezenas de metros. Quando o mamífero passa, alheio ao desejo vivo que despertou, o carrapato se solta no ar, e cai sobre o objeto de sua paciente espera. Sem possuir olhos, ele sabe as distâncias, as velocidades e o espaço que o separa do objeto de seu querer. Ao cair sobre a pele do mamífero, o carrapato se finca, se instala, tudo nele já sabe o que fazer. Ele sente o fluxo de sangue quente a correr abaixo da pele do animal. Ele então perfura, se enfurna e se rejubila com a parte líquida de outro ser. Após sorver o correspondente a três vezes o seu peso, o carrapato se solta, repleto, intumescido de vida. Nada mais existe para ele na floresta imensa. Os pássaros, as flores, os regatos, o céu....nada disso para ele existe. Nada disso para ele é objetivo, nada disso constitui “objeto para sua percepção”. Como um místico unido ao objeto de seu êxtase, o carrapato já pode morrer, e morre.
O que vale para o carrapato vale igualmente para todos os seres, inclusive o homem. Neste, porém, o mundo próprio pode ser ampliado ao infinito pela linguagem, desde que não seja a linguagem utilitária dos homens-carrapatos.... É o afeto que determina a amplitude de um mundo próprio, não o intelecto ou meras posses. O tamanho do mundo próprio de um homem tem a amplitude de seus afetos : se é o infinito que o afeta, e do infinito não pode haver posse, tal será a amplitude de seu mundo próprio. O infinito não é um continente vazio e distante que se contempla em silêncio; o infinito é ele e tudo aquilo que nele vive, por mais ínfimo que seja. O mundo próprio do poeta é um deslimite nascido de sua transfiguração : “O poeta diz eu-te-amo a todas as coisas (Manoel de Barros).”
Há dois sentidos
para a palavra “nada”. O primeiro deles vem de “nihil.” Essa palavra é a origem
de niilismo. Além de “nihil” significar “nada”, nihil também significa “nulo”.
No Direito, por exemplo , usa-se a expressão latina “nihil” para designar atos
que são juridicamente nulos.
Nesse último sentido, niilismo
não é um culto ao “Nada” ou ao “Nirvana”, niilismo é um comportamento que é
nulo, sem autenticidade. Por exemplo, o inelegível vivia evocando a ideia de “Verdade”, porém
essa ideia de “Verdade” na boca dele é nula , pois anula a própria ideia
autêntica de verdade.
A “Verdade” dele
não é uma mentira, é uma “nulidade”: enquanto a mentira se explica no âmbito da
linguagem, a nulidade é mais grave, uma vez que ela expressa uma estreiteza
existencial.
Muitos
espertalhões evocam a palavra “Deus” como cabo eleitoral deles. Embora falem em
Deus para combater o “ateísm0 c0munist4”, esse Deus deles, porém, anula a
própria ideia do que se espera que seja Deus: esses espertalhões anulam a ideia
de Deus muito mais do que a negação feita pelos ateus.
O autêntico anarquismo
nega a necessidade de partidos, mas não nega a política; já o PSL e os partidos
do “centrão” são nulos de ideias políticas. Uma coisa é negar uma realidade,
outra bem diferente é tornar nula uma realidade pela inautenticidade com a qual
ela é usada.
Mas há outro
sentido para a palavra “nada”, originado do latim “nata” ( raiz de “natal”:
“lugar onde se nasce”). Esse sentido talvez explique por que Manoel afirma que
sua poesia vem de suas “natências” ou “nadifúndios”, enquanto riqueza de vida
para nos proteger das nulidades niilistas.
O saber que
apreende esses “nadifúndios” chama-se: ignorãça. Ignorãça não é ignorar o nome
das coisas, ignorãça é saber de coisas que ainda não têm nome : “As coisas que
ainda não têm nome são mais ditas pelas crianças”, diz o poeta. Uma caneta de
ouro nas mãos de um niilista, mesmo que ele tenha poder e dinheiro, escreve só
pobreza. Já o simples lápis do poeta retira do nada de suas natências a sua
riqueza.
O poeta põe
nascimento em seu lápis para que a gente, ao lê-lo, de vida se enriqueça:
“Na ponta do meu
lápis tem apenas nascimento.” (Manoel de Barros)
“Não há arte que
não seja uma liberação de uma força de vida. Não há arte da morte.” (Deleuze)
Os alunos da pesquisa sobre Manoel de Barros que coordeno ganharam um prêmio pela apresentação que fizeram na Semana de Iniciação Científica da universidade . Fiquei muito feliz por eles , a Maria Fernanda Duarte e o Henrique Borges. Eu e o professor Marcos Aurélio Marques estamos organizando para o dia 11 de novembro um evento em homenagem a Manoel que é um desdobramento da pesquisa. O evento e a pesquisa têm por título um dos versos de Manoel de que mais gosto: "Na ponta do meu lápis há apenas nascimento".
Tempos atrás, numa bela manhã de outubro, vi passar um senhor bem idoso,
porém firme e altivo. Vê-lo fez reviver
dentro de mim uma palavra que há muito
eu não dizia. Foi a “potência-alegria”
de que fala Espinosa o que senti ao saber
que tal palavra ainda em mim vivia , à espera de reencontrar aquele a quem ela designa e
nomeia.
Essa palavra não estava escrita no meu cérebro
onde se acumulam teorias, elaestava
guardada em meu coração ,lugar do Afeto,junto à lembrança dos seres que conheci e que me tornaram o que sou.
Foi então do coração que a palavra
veio subindo, já com pleno sentido, embora ainda sem se vestir com o som.
Quando ela chegou à minha boca, tornou-se voz e chamou: “Mestre!”.Aquele senhor era um queridoprofessor que tive há muito tempo.
Coincidentemente, o Dia dos Professores estava próximo...
Ele me reconheceu , sorriu e estendeu
a mão paramim, encontrandoa minha que já lhe estava estendidadesde a primeira aula dele que assisti .Não sei ao certo quanto tempo conversamos, o
durar do afeto não o mede relógios.
Quando nos despedimos, fiquei parado
vendo-o ir, e pensei: “Será que ele sabe o quanto foi importante em minha
vida?”
Antes de ele ir, olheiseu rosto e tive a impressão de que ele
também estava arecordar-se do mestre
que teve e que o inspirou a ser mestre, e por isso ele entendia minha gratidão.
E esse outro mestre do mestre, se vivo estiver, também deve estar se lembrando,
hoje,daquele que o fez mestre: “O
aprender vem antes do ensinar”, lembra-nos Deleuze.
O autêntico professor gosta de
ensinar porque, antes, amou aprender com aquele que lhe ensinoulições que nãoestão apenasem livros, mas também nas ações.
Creioque nos tornamos professores quando o mestre que nos fez mestre não
viveapenas fora, ele passa a viverdentro da gente, e com ele continuamos a
aprender , mesmoenquanto ensinamos.
Por isso, hoje também é dia de cada
professor se lembrar daquele do qual foi aluno no aprendizado do mundo e de si
mesmo. Pois essas lições são o conteúdo vivo de toda aula que, crítica e
criativamente, renova o sentido emancipador , singular e coletivo, da educação.
Assim,apenassob certa perspectiva aquele meu antigo mestre se afastava de mim,sob outra perspectiva ele nunca de mim saiudesde que , com suas aulas, em minha vida
entrou , passando a viver na companhia deoutros queridosmestres que
igualmente entraramem mim e me tornaram
o que sou : aquerida Professora Nadir (
minha primeira professora de filosofia e quem me libertou), oinesquecível Cláudio Ulpiano, o generoso Luiz
Alfredo Garcia-Roza , o grande Gerd Bornheim e o sábioJunito Brandão : “O melhor de mim sou
Eles.”(Manoel de Barros)
Um abraço às professoras e
professores porseu dia!
( imagem: o professor Deleuze na
companhia de alunas e alunos)
No poema “Achadouros”,
Manoel de Barros nos fala de uma sábia contadora de histórias que ele conheceu
quando criança. A sábia ensinava haver “achadouros” em Corumbá.
No sentido literal, os
“achadouros” eram buracos que os holandeses cavaram antes de fugirem do Brasil
séculos atrás.
Com o ouro surrupiado do
rico subsolo de nossa ancestral Pindorama, os holandeses fabricaram moedas nas
quais estamparam a coroa holandesa. Depois eles esconderam essas moedas de ouro
nos tais buracos abertos no fundo de quintais, para que não ficassem com elas
os colonizadores da coroa portuguesa, seus rivais.
Durante muito tempo em
Corumbá, movidos pelo desejo de encontrar tais tesouros, os homens escavaram
quintais para ver se ali achavam o ouro rapinado pelos colonizadores.
Mas o poeta compreendeu
que a sábia falava também de outros “achadouros”, enquanto espaços a descobrir que
guardavam diferentes tesouros.
Seguindo a lição da
sábia, o poeta aprendeu a descobrir “achadouros” onde estão guardadas
riquezasque não vêm da usurpação do
homem sobre o outro, riquezas que são, para a vida digna, verdadeiramente
preciosas: escavando a palavra, o poeta acha nela sentidos novos não
colonizados; escavando em si mesmo, o poeta acha horizontamentos libertários
que partilha com os outros.
Com sua arte que faz
pensar, sentir e desperta, o poeta “desabre” nossos habituais olhos que o leem para
que em nós achemos, quem sabe, olhares novos.
E toda essa riqueza que o poeta acha, e generosamente partilha
conosco, vem da potência transbordante de vida que, empoemando-o, guardou-se
dentro do poeta como tesouro, cujo valor não se mede em moeda, capital ou ouro.
“Na ponta do meu lápis tem apenas nascimento” é um verso de Manoel.
Esse verso pode ser interpretado de muitas maneiras . O lápis expressa o
veículo de expressão do poeta, o instrumento que une sua mente e corpo. Na
ponta do lápis do poeta nascem ideias que fazem nascer também ideias em quem o
lê. Esse ato de dar nascimento a realidades que potencializam a vida pode ser
um antídoto à necropolítica, e é por
isso que esse verso também é, em sua essência, político.
Em breve, colocarei a programação completa do evento.
Segundo a mitologia, Hades é a divindade que habita a região
trevosa muito abaixo da superfície da terra. Nesse lugar nenhuma luz
entra.
Certa vez, porém, Hades ouviu uma voz cheia de vida vindo da
superfície. Ele subiu e viu que era Perséfone cantando... Ela estava com sua
mãe , a deusa Ceres. De “ceres” vem “cereal”, pois Ceres é a divindade do
plantio e colheita dos cereais.
Ceres , por sua vez, é filha de Cibele, a
divindade da fertilidade. Cibele é o Feminino Ancestral ( os povos
originários da América a chamam de Pachamama).
E foi em sua neta Perséfone que a fertilidade de Cibele se tornou
uma força criativa semelhante àquela que vemos no artista, pois Perséfone é a
divindade cuja arte é fazer nascer flores: múltiplas e heterogêneas,
flores de todas as cores.
Perséfone mata outra fome diferente daquela que Ceres mata: Perséfone
mata a fome de arte, de poesia e de criatividade.
Hades se apaixonou pelas flores e quis levá-las para enfeitar sua noite
eterna. Foi uma imensa surpresa, ninguém imaginava que pudesse
nascer no taciturno Hades um desejo por cores.
Num ato condenável, Hades raptou então Perséfone para fazê-la morar lá
embaixo . Porém, naquele mundo carente de luz , de Perséfone nasciam rosas só
com espinhos , sem as pétalas, flores da dor que elas eram.
Enquanto isso, sentindo a falta de Perséfone, Ceres ficou deserta : o
grão não mais germinava nela. Havia agora fome de pão e de beleza, de pão e de
poesia, e ninguém sabia qual das duas fomes doía mais: a primeira esvaziava o
estômago, a segunda ao coração secava.
A pedido de Ceres, Zeus interveio e foi feito então um acordo. Durante
parte do ano Perséfone viveria lá embaixo com Hades : sua ausência entre nós
recebeu o nome de inverno.
Até que vem o ansiado tempo em que Perséfone sobe de volta e
enche de vida a terra : tudo recomeça , renovado.
Hoje, as sombras não reinam somente lá
embaixo, mentalidades sombrias piores nos
ameaçam aqui em cima . Apesar disso, nada detém Perséfone
e sua primavera, tempo em
que Perséfone chega para florir de vida a terra.
“O céu da teoria é cinza;
mas sempre verdejante é a árvore da vida.”
(Goethe)
“Eram os passarinhos que colocavam
primaveras nas palavras.”
(Manoel de Barros)
( imagem:“O abraço amoroso de Pachamama”/Frida Kahlo)