terça-feira, 6 de dezembro de 2016

a fonte do (des)saber

                                                 


                                                 A palavra abriu o roupão para mim:
                                                                                          ela quer que eu a seja.                   
                                                                         Manoel de Barros


O maior adivinho da Grécia foi Tirésias, o cego.O maior adivinho da terra da sabedoria era , no entanto, um cego.  Ele assim ficou por ter visto o que nenhum homem pode ver, a não ser pagando um alto preço.Tirésias  viu Atena nua. Ele viu a deusa despida das vestes e das convenções, ele a viu de corpo nu e inteiro, sem os véus e tecidos que a disfarçam.
 Atena é a deusa da Sabedoria. Tirésias viu a Sabedoria nua, sem disfarces, sem obstáculos, sem  coberturas, sem maquiagens. Ele a viu enquanto ela se banhava, pois mesmo a Sabedoria necessita do fluxo para renovar-se,para limpar-se do que já é antigo e se acumula.Ele viu  a Sabedoria diretamente, sem ser por intermédio de livros ou relatos.
Sabe-se que Atena se paramentava toda e se adornava antes de ir à Academia, para ali ser vista  e adorada pelos doutos,que adoravam apenas o brilho e luxo dos panos que a cobriam, e com estes se satisfaziam,vez que ignoravam  que mais riqueza e beleza havia em seu corpo nu. Mas a deusa não se paramentava  por exigência ou gosto dela, mas pelos ritos dos homens acadêmicos.Todavia,  estes nunca a viram como Tirésias a viu: nua, sem fazer poses, sem artifícios.Ele a viu sem ser por intermédio de signos. E nunca a deusa viu tanto amor na fala e discursos dos doutos  quanto viu nos olhos de Tirésias , que a viu nua, sob a “luz natural” do seu corpo .

Então, ela o cegou enquanto ele a via.Mas não por ódio ou punição, tampouco para manter-se em segredo. Ela o cegou  para protegê-lo.Para protegê-lo de si mesmo e dos homens,incluindo os doutos.  Na verdade, ela lhe cegou os olhos de constatar , para que sempre a visse os olhos de descobrir, pois apenas para estes ela se permite aparecer nua, desde que neles também viva a paixão e o desejo . Ele a viu a se banhar em uma fonte, em uma nascente. E esta foi a sabedoria que a deusa lhe concedeu: a de ver sempre nascer e renascer em si uma visão  fontana, uma visão que é fonte do que vê. Quando enfim se despe, é como poesia que a sabedoria se mostra.



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