Há uma passagem do livro Assim
falou Zaratustra, de Nietzsche, na qual o personagem que dá título ao livro
cede às lamúrias de um anão que o seguia. Queixando-se de fragilidade, o anão
suplicava misericórdia a Zaratustra, e lhe pedia para ir em seus ombros.Uma vantagem o
anão disse que Zaratustra extrairia desse favor: o anão veria o caminho e
guiaria Zaratustra. Então, Zaratustra instalou o anão sobre seus ombros e
seguiu sua viagem. Porém, não seguiu muito, pois logo o anão começou a advertir
Zaratustra dos perigos do caminho, perigos estes que o anão acreditava divisar
logo ali em frente.
Zaratustra , contudo, nada via. O anão insistia, desesperado.
Afirmava que logo ali havia um abismo, e antes deste um muro, e antes destes
ainda ladrões, e lobos, e armadilhas, e a maldade, enfim. Chorando pelo infortúnio
dos dois, já se imaginando roubados, envenenados, traídos, mordidos,
dilacerados, enfim, vencidos, o anão julgou que o melhor seria parar, sentar,
talvez se ajoelhar, e implorar ao destino perdão. Zaratustra já se inclinava
para isso quando, de repente, um grito que veio de dentro dele, de dentro da
vida que avança, protestou: “Pera lá, anão! Ou você ou eu!”. Zaratustra venceu
em si mesmo o sentimento de se julgar vencido antes mesmo de enfrentar a luta ,
bem como os favores da autopiedade, e assim expulsou o anão de suas costas. O
anão é o espírito da gravidade, o espírito do peso; ele é a visão curta, que em
tudo vê um muro, uma impossibilidade, uma morte. Aceitando o risco de ir,
Zaratustra avançou.
Zaratustra é o nome do antigo deus Zoroastro, que era admirado pelos
iranianos, antes destes se ajoelharem diante do Alcorão, esquecendo desde então
o que é ficar de pé. Singularíssimo é Zaratustra: ele não é grego ou romano,
muito menos chinês ou hindu, tampouco ele andou por onde andaram os judeus.
Zaratustra é o Oriente, próximo. Ele é o distante tornado perto. Ele não é
migrante ou retirante, ele é o deus itinerante, o deus que dispensa templos e igrejas,
e que acompanha todos aqueles que avançam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário