terça-feira, 31 de maio de 2011

espinosa 3( trecho de livro sobre Espinosa, a sair)

No livro "Tratado sobre a reforma do entendimento", Espinosa persegue um fim: o aperfeiçoamento de si mesmo. Para esse aperfeiçoamento , porém, não existem modelos prévios a seguir, tampouco receita pronta para aplicar. Aperfeiçoar a si mesmo é, segundo ele e antes de tudo, aperfeiçoar a vida que se leva.Nesse projeto existencial de Espinosa, que ele colocou para si mesmo, o ponto principal diz respeito ao exercício do amor. Nesse sentido, uma frase do Tratado se apresenta como um estribilho, um refrão: "Nossa felicidade ou infelicidade depende da qualidade do ser com o qual nos unimos através do amor". Segundo Espinosa, o amor é a passagem a uma perfeição maior acompanhada da ideia de uma causa externa. A causa externa é exatamente o ser que amamos. Esse modelo vale tanto para pessoas como para as coisas.No amor , portanto, padecemos; isto é, padecemos a ação de algo externo, tanto uma pessoa como uma coisa ( um celular, um automóvel, um sorvete, uma bebida,etc.).No caso de um amor tendo como causa uma pessoa, devido ao fato do amor vir de fora, este mesmo fato pode produzir no homem a incerteza sobre existência do amor que o outro sente.Quando esta incerteza nasce, nasce também com ela um outro afeto: o ciúme ( embora o ciúme também possa ser aplicado ao amor pelas coisas materiais...). Imaginemos que um sol ilumina nosso rosto. De sua luz em contato com nosso rosto nasce um prazer, uma alegria: o calor. O amor é como esse calor que nasce quando a luz do sol toca nosso rosto. O amor não é a luz do sol, tampouco nosso rosto. Ele, o amor, é o calor que nasce desse encontro. Visto assim, ele é um efeito de um ser que existe fora de nós. Uma dúvida pode nascer naquele que ama desse modo: será que esse sol aquece melhor um outro rosto diferente do meu?Será que essa luz não me é exclusiva?Será que ele ilumina mais esse outro rosto do que o meu? Dessas comparações nasce uma flutuação dentro da alma. Essa flutuação é exatamente o ciúme. O sol que antes eu amava, eu agora o odeio, o odeio ao mesmo tempo em que o amo, e isto porque suspeito que sua luz ilumina mais um outro rosto que não é o meu. O ciúme é uma espécie de ódio. O ódio é o sentimento de uma passagem a uma imperfeição acompanhada de uma causa externa. O ódio, segundo Espinosa, é uma forma de tristeza. No ciúme, nossa alma passa do amor ao ódio, ou seja, vive sentimentos irreconciliáveis, irredutíveis, mas que dentro da nossa alma se tornam indiscerníveis, como se fossem a mesma coisa. Além da flutuação do amor ao ódio, do ódio ao amor, o ciúme também produz uma inveja do outro ser que acreditamos ser mais amado pelo ser que amamos.
Como então sair desse sofrimento do qual somos, de certa forma, causa?
Segundo Espinosa, devemos também conceber o amor como um afeto que nasce de uma causa interna.Não se trata, claro, do nosso ego essa causa, mas de um ser que não nos é externo, e que é interno igualmente a toda coisa, inclusive ao ser que nos é externo e que amamos na primeira forma de amor: é o sol que está dentro de cada coisa.Na vida ordinária, na qual o amor se confunde com a posse, vivemos o amor como algo que nos vem de fora. Mas há essa outra forma de amor que pode vir de dentro. Nessa forma de amor, não mais padecemos, mas somos de certa forma causa do amor. De certa forma, nós o produzimos: descobrimos dentro de nós um sol no qual nós nos irradiamos, possibilitando-nos ir além de nós mesmos; para assim, no doar-se e não na posse, encontrarmos a nós mesmos.

sábado, 21 de maio de 2011

espinosa 2


É interessante a imagem que Platão e Espinosa fazem do amor. Tão interessante quanto diferem radicalmente entre si. A imagem de Platão é mais conhecida, embora muitos conheçam a história sem reportá-la ao seu verdadeiro autor.
Platão acreditava que o amor é desejo. Desejo daquilo que falta. O desejo seria a marca de uma incompletude radical. Só desejamos porque nos falta aquilo que nos faria voltar à unidade originária, no tempo perdida. Obtida a outra metade que nos falta, restituída assim a unidade perdida, finda o desejo , como se extingue o fogo quando não há mais madeira para queimar. O objetivo do desejo é encontrar aquilo que ele deseja :uma outra metade também perdida, para assim findarem ambos em uma unidade que apaga a diferença de cada um dos desejos em suas diferenças. O destino do desejo é ser apagado, morto. Tornar-se completo, segundo Platão, seria fundir-se em uma unidade que revelaria que a diferença é ilusão.
Espinosa pensa de outro modo. Para ele,  desejar é buscar um outro desejo que se componha com o nosso. Desejar é , junto com outro desejo do nosso diferente, criar um terceiro indivíduo, do qual meu desejo e o outro desejo sejam partes vivas.
Enquanto em Platão a unidade originária pré-existe ao desejo que a busca, em Espinosa a unidade não pré-existe aos dois desejos que a inventam, ao se conjugarem. Mediante o terceiro indivíduo que nasce dos dois desejos conjugados, cada desejo não é negado ou suprimido, mas potencializado : um vive no outro por meio da Vida que ambos inventaram em comum.Vida que se alimenta das diferenças que se auto-enriquecem, que se auto-inventam. Quando dois desejos se unem e criam um terceiro indivíduo superior, nasce desse terceiro indivíduo um desejo também superior, concernente à alma e também ao corpo, desejo que não é mais de um ou do outro, porém  dos dois desejos transformados e potencializados em um único desejo que se quer a si mesmo. O desejo não se torna mais falta do que se deseja, pois ele se possui a si mesmo ao se dar para o outro. Assim conjugados, ambos desejam a mesma coisa: manter vivo o terceiro indivíduo que só existe mediante eles. Por intermédio  dele, ambos podem cada vez mais desejar não o que falta, mas o que potencializa o que já se é, singularmente.

sábado, 14 de maio de 2011

Espinosa

Uma das afirmações mais mal compreendidas de Espinosa é aquela que diz:"A infância é a pior época da vida".Na verdade, Espinosa não quis atribuir ao fato de ser criança nenhum elemento negativo que fizesse intrinsecamente parte dessa fase da vida. O que ele quis dizer é que é ruim ser criança tendo em vista a qualidade dos adultos que cuidam da vida das crianças. São os adultos, com suas ignorâncias e superstições, com seus medos e intolerâncias, que tornam difícil o fato de se ser criança, roubando desta toda inquietação e interesse na descoberta do que é a vida. Se os adultos buscassem mais a liberdade do que a escravidão, se eles cultivassem mais a compreensão do que a ignorância,nada haveria de melhor do que ser criança diante de adultos assim.Aprender seria , em todos os sentidos, uma alegria( pode-se ver isso perfeitamente no filme "A língua das mariposas").