sábado, 5 de novembro de 2022

"mitos", ontem e hoje

 

Nem todo mito ensina sobre coisas dignas como a beleza ( Afrodite), as artes ( Dioniso), a justiça ( Zeus) e o conhecimento ( Atena). Há mitos que simbolizam a violência ( as Fúrias) , a ignorância e sua visão estreita ( os Cíclopes).

As Fúrias e os Cíclopes representam forças negacionistas e destruidoras que, ao longo da história, saem do submundo sombrio onde se escondem e ganham novos rostos e nomes : Mussolini ,Hitler, Pinochet , Ustra , os assassinos de Marielle...

Mas há outro mito que simboliza a ignorância e sua brutalidade física e simbólica.  Trata-se de “Procusto”. Esse nome significa: “Aquele que violenta, tortura, decepa, corta...”.

Procusto queria subir ao Olimpo  , porém não tinha dignidade e nem valor para isso. Então, fingindo-se preocupado com a dor e sofrimento dos seres humanos, armou  um plano para ganhar adeptos que o apoiassem em seu projeto de poder  para galgar o Olimpo e , dando um “golpe”, tomar o lugar de Zeus e Hera, divindades da ética e da justiça.

Ardiloso e dissimulado, Procusto veio para perto de uma estrada por onde passavam pessoas cansadas, dizendo que queria oferecer para elas um amparo, um cuidado, mostrando assim que ele era um “ser do bem” e fiel aos deuses.

Procusto lhes ofereceu então uma cama. Porém, quando as pessoas se deitavam na tal cama acontecia o seguinte: às vezes, sobravam da pessoa as pernas e a cabeça. Procusto pegava um machado e lhes decepava as pernas e a cabeça. Noutras vezes, a pessoa que se deitava era menor do que a cama. Procusto amarrava os membros da pessoa com uma corrente e puxava com força , acabando por desmembrar as pessoas.

Indignadas, as pessoas protestaram contra o carrasco: “Procusto, ao invés de ser um amparo, sua cama é uma sentença de morte!”

Frio como todo ser desprovido de empatia, Procusto se limitou a puxar do bolso uma régua e passou a medir com rigidez militar a cama. Depois, virou-se para as pessoas e , ameaçando, disse: “Do que vocês estão reclamando!? A régua não mente...Acabei de medir minha  cama: ela é perfeita, homogênea ,cada lado é igual ao outro. Se há alguma imperfeição, ela está em vocês que , por serem heterogêneos e diferentes, não cabem na perfeição da minha cama!”

A cama tolhedora de Procusto pode receber ainda outros nomes: “minha Religião”, “meu Dogma”, “minha Opinião”, quando ensejam fanatismo e  intolerância.

 Essas camas da ignorância negacionista têm o tamanho da pequeneza: só cabe nela quem aceita ficar acéfalo, sem cabeça; ou diz “amém” servil e , sem pernas, põe-se de joelhos.

Uma  sociedade livre nunca aceita caber em camas de Procustos, a não ser sendo violentada. Uma sociedade livre é aquela que só cabe em  lugares abertos, plurais e democráticos .


(Imagem: obras de Tarsila do Amaral: a grande riqueza do Brasil é a sua heterogeneidade)



(imagem: “Tempo da fé”, exposição no Museu da Maré  mostrando a diversidade de maneiras que a comunidade da Maré , terra de Marielle, vive o sagrado. A pluralidade como antídoto ao fanatismo procustiniano do poder teológico-político).  







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