terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

"Jimi" & "Che"

 

Vivemos dias nos quais  se multiplicam  situações que nos deixam indignados.  Mas nada é mais  revoltante do que  ver  um senhor que se diz “professor” , o atual “ministro da educação”,  recomendar a volta da palmatória, querendo que a sala de aula se transforme num lugar para se torturar jovens e  crianças, bem ao gosto do chefe dele que idolatra torturadores.  Quando  fiz o antigo  segundo grau tive um “professor” desse tipo. Ele era simpatizante ferrenho da ditadura militar ( que perdia força naquele momento com a “Abertura” ). Além de diretor não eleito do colégio, esse professor lecionava gramática. Rígido e dogmático, ele fazia da gramática a sua  “Caaba”. Ele era um fanático por Ordem, na gramática e no exercício autoritário do poder.  “O importante é a Norma; pois exceção e diferença, na gramática e fora dela, não têm importância e levam ao erro” , dizia ameaçando. “Mas professor, o português não nasceu do latim falado errado?”, questionou certa vez  o “Jimi”, o provocador da sala ( a gente o chamava  de “Jimi” porque ele estava sempre com uma camiseta colorida do “Jimi Hendrix” por baixo da camisa  do uniforme escolar  homogêneo e “mesmal”). Um olhar repressor era o que o gramático-censor dava como resposta...

Esse professor/diretor  também proibia a gente  de criar  o grêmio  estudantil . Certa  vez então montamos  uma estratégia: fingimos criar um grupo de teatro, quando na verdade a gente se reunia no auditório para falar de  política, assunto que o diretor  censurava. Quando ele aparecia de surpresa no auditório para nos patrulhar, a gente fingia que estava ensaiando  uma peça. Sem entender nada, gritando ele perguntava : “Que peça é essa!?” “É Beckett, professor. Não tem roteiro...”, a gente respondia segurando o riso. E ele ia embora desconfiado e olhando de lado.  

No nosso grupo havia um garoto cujo apelido era “Che”. Fazendo jus ao apelido, “Che” bolava “ ações de enfrentamento direto contra o ditador”, era assim que ele dava nome teórico às peraltagens subversivas que bolava. O tal professor possuía um fusquinha verde-oliva cujo para-brisa  tinha um  adesivo  de uma caveira com duas adagas enfiadas no crânio, um símbolo militar do qual   se apropriou também  à época o “esquadrão da morte”, o avô da atual milícia. Certa vez o “Che” esgueirou-se pelo estacionamento  e enfiou  duas batatas inglesas bem na saída do cano de descarga do fusquinha-caveira. Da sala de aula deu pra ouvir o estrondo quando o fascista ligou o carro...Mas ele não se feriu, “foi só pra assustar”, dizia o “Che” discretamente. Não sabemos ao certo se devido a isso, no dia seguinte o  diretor fascista aparecia mais cordial, menos intolerante, parecendo ter   lampejos  de que era um professor, e não um carrasco. Ele até sorria pra gente... Mas isso não durava muito, e logo o “Che” precisava voltar  à ação, sem exceção.





link para o filme (completo e legendado):









Nenhum comentário:

Postar um comentário