O carnaval nasceu como festa
dedicada a Dioniso, o deus das artes.
Naquela época, Dioniso era o símbolo do “triunfo da vida”. Não o triunfo de uma
vida sobre outra vida, como na competição desumana dessa selva capitalista, mas
triunfo da vida resistindo àqueles que a querem morta, nos vários sentidos que a palavra
“morte” tem. Segundo a mitologia, foi Dioniso que ensinou esse triunfo aos que correm perigo, para neles salvar a
vida. Pois quando era ainda criança,
Dioniso foi despedaçado por divindades sombrias, propagadoras do ódio e da vingança. Sabia-se que Dioniso
tinha uma metade humana e outra metade divina, uma metade mortal e outra que
nunca morria. Mas qual era a parte divina dele? Ninguém sabia...Exceto Zeus.
Então, quando Zeus viu Dioniso-criança despedaçado, buscou entre as partes a
que era divina, pois somente essa parte
pode resistir aos carrascos da vida. Era o coração, sede da coragem e do
afeto, a parte onde é mais potente
a vida. Zeus pegou o coração de
Dioniso-criança e dele fez nascer novamente Dioniso. Isso explica seu nome:
“Di-oniso”, “duas vezes nascido”. Quando nasceu a primeira vez, Dioniso veio ao
mundo chorando, como todo recém-nascido
; ao renascer , porém, Dioniso saiu do coração sorrindo , em festa, na alegria
do triunfo da vida.
Esse triunfo não foi fruto de promessas , ele foi obra da primeira das artes : a arte de
tornar a vida de novo nascente, nesta vida e não noutra. Tal triunfo vinha
acompanhado de uma potente alegria semelhante a uma embriaguez . Não a embriaguez por excesso alcoólico,
mas a embriaguez pelo excesso de vida . Manoel de Barros, ébrio de poesia ,
chama de “deslimite” a tal excesso que
não deixa morrer a vida: “Na ponta do
meu lápis há apenas nascimento”, diz o poeta de vida embriagado. Em grego,
“embriaguez” se escreve assim:
“bacchus”. Quando os romanos deram o nome “Baco” a Dioniso, enfatizaram apenas um dos
aspectos de Dioniso, não a sua simbologia como um todo: reduziram a embriaguez
( “bacchus”) ao estado provocado pelo vinho , ignorando que a embriaguez
dionisíaca tinha originalmente muitos outros
sentidos. Pois mesmo antes de
descobrir o vinho, Dioniso já se
embriagava com a pura água que ele bebia das fontes de Gaia, a Mãe-Terra.
“É preciso embriagar-se...Mas, com
quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!”
(Baudelaire)
( imagem: “A vinha vermelha”/ Van
Gogh)
O “carnaval” de que fala Chico e o “bloco
na rua” mencionado por Sérgio Sampaio
não são um carnaval literal, como o deste ano
que com razão foi cancelado. O
carnaval e o bloco de que eles falam ainda estão por ser criados:
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