sábado, 13 de fevereiro de 2021

botar o bloco na rua

 

O carnaval nasceu como festa dedicada   a Dioniso, o deus das artes. Naquela época, Dioniso era o símbolo do “triunfo da vida”. Não o triunfo de uma vida sobre outra vida, como na competição desumana dessa selva capitalista, mas triunfo da vida resistindo àqueles que a querem   morta, nos vários sentidos que a palavra “morte” tem. Segundo a mitologia, foi Dioniso que ensinou esse triunfo   aos que correm perigo, para neles salvar a vida.  Pois quando era ainda criança, Dioniso foi despedaçado por divindades sombrias, propagadoras  do ódio e da vingança. Sabia-se que Dioniso tinha uma metade humana e outra metade divina, uma metade mortal e outra que nunca morria. Mas qual era a parte divina dele? Ninguém sabia...Exceto Zeus. Então, quando Zeus viu Dioniso-criança despedaçado, buscou entre as partes a que era divina, pois somente essa parte  pode resistir aos carrascos da vida. Era o coração, sede da coragem e do afeto,  a parte onde é mais potente a  vida. Zeus pegou o coração de Dioniso-criança e dele fez nascer novamente Dioniso. Isso explica seu nome: “Di-oniso”, “duas vezes nascido”. Quando nasceu a primeira vez, Dioniso veio ao mundo chorando, como  todo recém-nascido ; ao renascer , porém, Dioniso  saiu  do coração sorrindo , em festa, na alegria do   triunfo da  vida.  Esse triunfo não foi fruto de promessas , ele foi  obra da primeira das artes : a  arte de  tornar a vida de novo nascente, nesta vida e não noutra. Tal triunfo vinha acompanhado de uma potente alegria semelhante a uma embriaguez .  Não a embriaguez por excesso  alcoólico,    mas  a embriaguez  pelo excesso de vida .   Manoel de Barros, ébrio de poesia , chama  de “deslimite” a tal excesso que não deixa  morrer a vida: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, diz o poeta de vida embriagado. Em grego, “embriaguez” se escreve assim:  “bacchus”. Quando os romanos deram o nome  “Baco” a Dioniso, enfatizaram apenas um dos aspectos de Dioniso, não a sua simbologia como um todo: reduziram a embriaguez ( “bacchus”) ao estado provocado pelo vinho , ignorando que a embriaguez dionisíaca tinha originalmente muitos outros  sentidos. Pois  mesmo antes de descobrir o vinho,  Dioniso já se embriagava com a pura  água que ele  bebia das fontes de Gaia, a Mãe-Terra.

“É preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!” (Baudelaire)

 

( imagem: “A vinha vermelha”/ Van Gogh)





O “carnaval” de que fala Chico e o “bloco na rua”  mencionado por Sérgio Sampaio não são um carnaval literal, como o deste ano  que com razão foi  cancelado. O carnaval e o bloco de que eles falam ainda estão por ser criados:





nada se iguala à interpretação intensa, marginal e poética  do próprio Sérgio Sampaio : 

 




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