Espinosa foi o primeiro dos
Iluministas, embora raramente seja citado nos livros sobre o tema. O Iluminismo
é frequentemente associado ao sol :assim como a luz do sol desfaz a escuridão
da noite, a luz da razão desfaz a ignorância que obscurece o homem. Mas a luz
da razão também pode produzir “sombras”, como viu o filósofo Peter Sloterdijk.
As sombras da razão são a tecnocracia, a tirania da opinião nas sociedades de
massa, o consumo narcisista, a ideologia do progressismo cientificista, a
destruição da natureza, a concentração excludente da riqueza...E é se ocultando
atrás dessas sombras, e se alimentando delas, que cresce o monstro do fascismo.
Melhor do que ninguém, Sloterdijk faz o diagnóstico dessas “sombras da
modernidade” . Porém, o iluminismo de Espinosa escapa a essa forma canônica de
compreender o iluminismo, tanto por parte de seus cultuadores quanto de seus
iconoclastas, como Sloterdijk. É difícil falar desse iluminismo de Espinosa sem
empregar uma linguagem também poética. O dizer poético é necessário quando o
conceito filosófico, sozinho, não consegue dizer o que ele tem para dizer. Há
em Espinosa não apenas luzes racionais , também há luzes afetivas. A luz de
Espinosa não é apenas a luz da crítica, ela também é luz clínica: ela se torna
remédio quando absorvida. O iluminismo de Espinosa não está centrado apenas em
uma única luz, mesmo que seja a luz do sol . Em Espinosa, as luzes são
múltiplas e várias, e cada uma tem seu foco, sua cintilação . Há realidades que
somente podem ser iluminadas pela luz da lua, luz poética : assim são as
realidades noturnas, fora e dentro do homem, como as paisagens do inconsciente
que a luz do sol não alcança. Há realidades sutis que somente ficam claras sob
a luz das estrelas, luz metafísica. As estrelas são infinitos sóis juntos, pois
somente infinitos sóis podem iluminar o conhecimento da infinita natureza. Há
ainda em Espinosa uma luz mais surpreendente e fulgurante : seu pensamento às
vezes se assemelha à luz de um intenso relâmpago , como clarão libertário
irrefreável. Todas essas múltiplas e heterogêneas luzes existem para abrir e
potencializar a luz dos nossos olhos , para que a treva em torno não nos cegue.
( imagem: capas da edição em
português e em espanhol do livro que inspira a postagem. Na edição brasileira,
estranhamente Espinosa não aparece na capa; na espanhola , ao contrário,
somente ele aparece, sendo essa capa mais fiel ao conteúdo do livro)
Foi neste quadro de Van Gogh ( “Noite estrelada sobre o Ródano") que vi os mil sóis juntos. Quando se olha de perto o quadro, percebe-se que Van Gogh pintou cada estrela como de fato cada estrela é : um sol. É por isso que esse quadro também poderia chamar-se: “Infinitos dias” ou “dia eterno”.
Encontra-se neste
livro a ideia de que o pensamento de
Espinosa é como o clarão de um relâmpago : “L’eclair de Spinoza” / “O relâmpago
de Espinosa” ( infelizmente, o livro
ainda não está traduzido para o
português: embora o livro esteja escrito em prosa, ele é, do que começo ao fim,
uma poesia ) :
Nenhum comentário:
Postar um comentário