Certa vez uma pessoa me perguntou de qual verso do poeta Manoel de Barros eu mais
gosto. Respondi indagando se eu poderia citar quatro. Sorrindo, a pessoa disse:
“pode”.
O primeiro verso é este que coloquei como apresentação aqui
da página : “Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.” Apenas
apontar as pedras em nada ensina, em nada potencializa , em nada serve ao avançar. Quem apenas aponta as pedras, e encontra
nelas justificativas para parar, chorar,
lamentar... também empedra-se. E as
pedras mais difíceis de ultrapassar são aquelas que colocamos para nós mesmos. A
liberdade inaprisionável sempre caça um
jeito de correr e suplantar pedras. E
prefere secar tentando do que deixar as pedras fazerem nela uma represa de
mágoas.
O segundo verso é: “A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a seja.” A palavra só abre o roupão a quem demonstra cuidado e
amor por ela, mesmo quando a emprega como
instrumento de indignação e crítica contra os que violentam
não apenas as palavras. Mas a
palavra só abre o roupão para quem, por intermédio dela, não dirá ou escreverá somente
palavra. A palavra também só abre seu roupão para quem igualmente se desnuda de todo conhecimento
pronto, de toda opinião acostumada e da pretensão de ser o dono exclusivo da
verdade.
O terceiro verso é: “Poesia é o que
horizonta.” Poesia não é construção de muros ou cercas, poesia é sentido que
horizonta. Poesia não é só poema, poesia também é política, educação,
filosofia, enfim, existência que se pensa e que se cria, agenciada . Horizontar-se é conectar-se para
construir rizomas. Os rizomas são plantas cujas raízes crescem horizontalmente,
sem hierarquias ou centros . Os rizomas se movem verticalmente apenas quando encontram um muro pela frente: como se
fossem pernas, suas raízes escalam o muro , descem do outro lado e seguem adiante.
O quarto verso é: “Na ponta do meu
lápis tem apenas nascimento.” O poeta
disse isso quando já estava com quase 80 anos ! Seu lápis é ferramenta lúdica e libertária
contra a “velhez”. “Velhez” não é uma
idade, “velhez” não é uma vida perto do fim , velhez é uma vida que , antes de
nela morrer o que é velho, morreu o que é criança.
“Não cabe temer ou esperar, mas
buscar novas armas”. (Deleuze)
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