terça-feira, 26 de dezembro de 2023

a caverna e a luz

 

Há um  aspecto da “Caverna de Platão” que se encontra apenas implícito, mas que é de papel fundamental em sua doutrina. Conforme ensina Platão, o filósofo é aquele que sai da caverna, ou seja, o filósofo primeiro se liberta, vence a si mesmo, desfaz os grilhões que o prendem ao senso comum , e assim constrói , com suas palavras e ações, uma saída. 

Os grilhões que prendem na caverna são as opiniões   e as paixões reativas . Quando sai da caverna, o filósofo está indo para dentro da verdadeira realidade. E o traço mais característico dessa verdadeira realidade é a presença da luz.

O filósofo se desterritorializa em relação à caverna do senso comum e se reterritorializa, não só com a mente mas também com o coração, na luz. O filósofo se reterritorializa na Ideia e no Afeto, que são as dimensões intelectiva e amorosa  da luz. Inclusive, essa luz lhe faz crescer asas especiais nas costas : as Asas de Eros, pois não se sai da caverna sem aprender a voar com tais asas. 

Essa realidade que a luz ilumina é exterior à caverna, porém interior à luz mesma. Essa luz não é física, tampouco  ela é de natureza puramente epistemológica. A luz que ilumina a realidade fora da caverna é a luz do Bem, dizia Platão. Tudo o que a razão conhece tem forma e limite. Porém a luz não tem forma: como uma fonte, ela brota de si mesma e se irradia, generosamente.

Essa luz não existe apenas para iluminar a realidade exterior à caverna, pois sua função primeira é iluminar por dentro a alma também. Essa luz ilumina igualmente  a caverna, não a deixando apenas em treva. É por isso que a caverna não é totalmente treva, ela é penumbra: misto entre a treva da ignorância e a luz do conhecimento que tenta vencê-la. Não fosse por esse rastro de luz que adentra à caverna, ninguém , nem mesmo o filósofo, poderia se libertar da caverna onde reina a “opinião” ou doxa.

Para transpor os umbrais da caverna, primeiro a luz ilumina o filósofo por dentro, como um raio X,  e é assim que ele se autoconhece e se esforça para vencer as sombras que estão dentro dele também. Muitos chegam a esse umbral , porém nem todos têm coragem e virtude para transpô-lo e ir para fora. Os que vão para fora da caverna igualmente vão para dentro de si mesmos, aprendendo a ver-se mais do que com os olhos limitados do ego , e assim   se curam e encontram remédio para as sombras internas .

Mas há aqueles que, no limite da caverna,  veem as sombras[1] internas , porém retornam à caverna e passam a dissimular e esconder essas sombras . Eles viram que existe um mundo fora da caverna, mas retiveram apenas o aspecto intelectual da luz, e não sua dimensão ética. E é por isso que esses dominam apenas as palavras, e creem que a verdade é só palavra. Esses que chegam ao umbral da caverna,  porém retornam para dentro dela,  se valem das palavras para tomarem aparência de sábios. Esses que assim se comportam  serão chamados , por Platão, de “sábios da caverna” ou sofistas[2].

Os sofistas não estão agrilhoados , eles são servos voluntários muito bem pagos, e estão presos à caverna como um todo : eles são os reis farsantes[3] deste mundo em penumbra.


                                                     ( este livro é só uma sugestão de leitura)

 



 



[1] Em um sentido próximo ao que diz   Jung.

[2] Na verdade, nem todos os sofistas se adequam a essa percepção de Platão.

[3] Como aqueles que, hoje, propagam “fake news”.

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