quinta-feira, 20 de maio de 2021

Roberto Machado

 

Ontem faleceu o grande professor e filósofo Roberto Machado. Tive a feliz oportunidade de ter sido aluno dele em duas disciplinas: uma no mestrado e outra  no doutorado em filosofia, ambas na Ufrj ( embora eu fizesse os cursos na Uerj, havia a possibilidade de puxar disciplinas para cursar na Ufrj). A disciplina no mestrado foi sobre Nietzsche; a do doutorado, Kant ( mais especificamente, a estética de Kant).

O que me fez buscar  fazer uma matéria com Roberto Machado foi o seguinte fato: quando eu cursava o mestrado, fiz uma matéria lecionada por um professor que também era autoridade religiosa. Era alguém famoso, com muitos livros publicados, que trazia “holofotes midiáticos” para a Uerj, mas a um grande custo. Pois esse professor não preparava aula, praticamente lecionava atrás apenas do nome midiático, e parecia estar mais no púlpito de sua igreja do que na ágora filosófica ( que deve reunir debate argumentado com rigor de pesquisa). Quando ele falou de Nietzsche, por exemplo,  disse coisas que Nietzsche nunca disse ou escreveu. No final do curso, o trabalho que entreguei para ele foi exatamente sobre Nietzsche. O trabalho consistia em trazer a própria fala de Nietzsche. Não fiz o trabalho com a intenção de negar a voz daquele professor, e sim de trazer a própria voz de Nietzsche expressa diretamente em seus textos. Como ensina Espinosa, “a simples presença da ideia verdadeira já destrói a ideia falsa”. O tal professor  deixou os trabalhos na secretaria e afixou as notas num mural, sem esclarecer seus critérios de correção pessoalmente. Quando vi a relação das notas, só havia nota dez, exceto para um aluno: exatamente este que fala com vocês. Foi a pior nota que tirei em toda minha vida. Quando peguei o trabalho para ler as argumentações dele, não havia nada escrito...

Então, fui fazer a matéria na Ufrj com o professor Roberto, reconhecidamente um grande conhecedor de Nietzsche. Ele nos apresentava Nietzsche bem de perto, de tal modo que pela voz de Roberto a gente podia  ouvir a voz do próprio Nietzsche que vinha do livro do filósofo que Roberto mantinha sempre aberto sobre sua mesa na sala de aula. No final do curso, entreguei um trabalho sobre Nietzsche para ele, que era conhecido por ser muito rigoroso em suas avaliações. Para a minha grande alegria, recebi uma excelente nota dele, e no trabalho ele fez observações para que eu pudesse melhorar ainda mais, pois ele fez críticas construtivas.

Eu ainda era bem jovem e estava começando a dar aula. Sem dúvida, as palavras do Professor Roberto Machado me deram força, pois elas me ajudaram também a compreender que aquela “nota” que aquele outro professor me dera não foi bem uma nota, e sim uma tentativa de me calar com uma cicuta.



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