segunda-feira, 10 de maio de 2021

manoel: o poeta-pensador

 

Quando comecei a ler e escrever sobre o poeta Manoel de Barros, há trinta anos, além de ele ser pouco conhecido, havia também certo preconceito redutor contra sua poesia, sobretudo por parte  da academia. Eu mesmo cheguei a ouvir da boca  de um famoso e midiático professor de literatura à época que “a poesia de Manoel é  algo apenas regional”, uma “curiosidade folclórica”. Mas como diz Espinosa, “muitas vezes a opinião de alguém sobre algo revela mais desse alguém do que do algo”. Hoje, Manoel é um dos poetas mais estudados pela academia, são realizadas inúmeras dissertações e teses sobre sua poética, e não apenas no âmbito da Letras.

Eu ainda era estudante de filosofia quando li pela primeira vez Manoel. Quando lemos algo que muda nossa vida, a gente não apenas lê, a gente também é lido, e encontra na palavra lida um sentido que vai além das palavras, um sentido que também dá voz a algo que em nós até ali estava mudo , sem voz. Ao ler Manoel,  experimentei o que Deleuze chama de “noochoque”, “choque de pensamento”.

O mesmo Deleuze afirma que “mais importante do que o pensamento é o que dá a pensar, mais importante do que o filósofo é o poeta.” Mas não creio que Deleuze se referia apenas a duas pessoas diferentes, um filósofo e um poeta. Creio que ele também fala de um mesmo pensador que, sendo filósofo, também é poeta. E é o poeta, aquele que pensa sentindo a vida e o mundo, que deve vir primeiro naquele que filosofa. Nem todo filósofo traz nele um poeta, isso é certo. Mas quando traz, a filosofia salta os muros da abstração e alcança a vida , tornando-se também algo que afeta mesmo aqueles que nunca se sentiram  atraídos pelas abstrações dos conceitos filosóficos.

Por outro lado, creio que há poetas que também são filósofos, poetas assim fazem pensar, um pensar que potencializa o sentir. Nem todo poeta traz dentro de si um filósofo, isso é certo. Mas quando traz, o poeta se torna um pensador.

O filósofo traz dentro de si conceitos, e depois  busca a melhor palavra para expressar o conceito que ele pensou. Às vezes, ele substitui a palavra antes usada para expressar um conceito, pois o importante para ele é o conceito. Já o poeta-pensador fecunda a palavra e a deixa grávida de conceitos a serem descobertos. São conceitos ainda em “embrião” , mas que vêm à vida quando a gente os lê e sente,  fecundando-nos também. O filósofo veste a palavra com a roupa formal das  abstrações, mas o poeta  desnuda a palavra com o consentimento e amor dela,  e descobre seu corpo nu: “A palavra abriu o roupão para mim, ela quer que eu a seja.” (Manoel de Barros)



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