sábado, 15 de maio de 2021

manoel: liberdade caça jeito

 

Fala-se  muito  hoje  da “condição líquida” das relações humanas. Esse “mundo líquido” revelaria uma carência de  consistência e firmeza, tornando tudo  inconstante , narcísico, superficial e  volúvel  ao extremo, das relações afetivas  à política. Tudo é feito para consumos rápidos, e com a mesma velocidade descartado.

As realidades líquidas  só tomam forma quando  moldadas por um recipiente.  Esse   molde-recipiente  pode ser  uma opinião, uma “Verdade” , um Dogma. Quanto mais  rígido  , mais o molde-recipiente dá a ilusão ao líquido de que ele , enfim, se tornou alguma coisa sólida . Mas um líquido   estagnado logo se turva, assim como  a mente estagnada    pela ignorância .

Muito diferente desse “mundo líquido” é a “água-fluxo” de que fala Manoel de Barros : “Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.” Essa água é a vida inaprisionável que  nasceu de uma fonte  e busca o oceano , seu horizonte aberto, com a máxima potência que pode. As pedras são os obstáculos que tentam pará-la,  negá-la, desacreditá-la , mortificá-la...Porém  a água corre  e  persevera , criando meios para não deixar morrer  seu fluxo livre.

Enfim, essa água   de que fala o poeta tem consistência, embora não seja rígida; ela é firme em seu avançar, por isso não é estática como a pedra. Quando moldes tolhedores a ameaçam, ela arranja forças e transborda ,  produzindo uma linha  de fuga para que a gente também  avance    fluindo com ela.

Segundo o filósofo Deleuze,  “ linha de fuga”  não é fugir de algo por medo  , linha de fuga é  libertar a nós mesmos de todo  molde estreito que seja menor do que aquilo que  podemos ser e alcançar, individual e coletivamente.

 

“A cisterna contém;

a fonte transborda.” (Blake)




 



- "Libertango": o tango como um fluxo sonoro que se liberta:



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