sábado, 3 de abril de 2021

heráclito e o eterno retorno

 

Às vezes, uma mesma realidade pode ter sentidos simbólicos diferentes e até mesmo  opostos. Por exemplo, o fogo. Quando é fonte de luz, tal como se vê no sol, o fogo é símbolo de uma força cósmica que traz vida e desfaz as trevas, tanto as trevas de fora como as de dentro do homem (  chamadas por Jung  de “sombras”). Em Platão, por exemplo, o fogo do sol é o símbolo do espírito, gema irradiante da alma. Quando é empregado para transformar a natureza, seja cozinhando o alimento ou como chama  metalúrgica  que fabrica ferramentas, o fogo é o símbolo da inteligência, isto é, da ciência. Na mitologia, Prometeu ofertou  esse fogo-inteligência  ao homem, porém faltou ao homem iluminar-se por dentro com a luz do sol-espírito. Pois com o fogo recebido o homem fabricou não apenas ferramentas, fabricou também destruidoras  armas que logo se tornaram instrumentos a serviço das sombras  internas do homem. E aqui vem a terceira simbologia do fogo: quando é empregado para destruir a natureza ou ao outro homem. Esse fogo-destruidor é o símbolo da ignorância:  fogo que ameaça o espírito e nega a ciência.  Segundo o poeta Goethe, a fonte desse fogo-destruidor   não é o sol que brilha no céu, a fonte do fogo-destruidor   é o mundo subterrâneo onde reina    Mefistófeles e sua lúgubre  fogueira.  Uma das materializações desse fogo-destruidor é  a “arma de fogo”,     hoje  transformada em objeto de culto dos fascistas-milicianos.

Somente em um caso o  fogo cósmico  também destrói, porém  destrói para construir. Trata-se do  fogo cuja luz  também é escultora, pintora, compositora, enfim, artista. Esse fogo-artista  foi pensado e descrito  por Heráclito em suas intuições filosóficas expressas como poesia. Esse fogo-artista não está apenas no sol, ele também está na infinita e variada luz das estrelas. Ele também vive  na luz misteriosa da lua. Heráclito dizia que esse infinito  fogo-artista , potência  cósmica inapagável,  a tudo constrói, porém também destrói para depois construir de novo, eternamente: sem culpa , maldade ou  ressentimento, o fogo-artista  é o Eterno Retorno de uma Vida  Inesgotável e  Infinita. Seu destruir não é ódio, assemelha-se mais ao brincar inocente da criança que , à beira da praia, brinca de construir e dar forma à areia, para logo depois destruir o que se enrijeceu , para   reinventar a vida de outra maneira.


“Só podemos destruir sendo criadores”. ( Nietzsche)


“Nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol”. (Manoel de Barros)


(Imagem: “O ovo cósmico” / Salvador Dalí)



 "Sol e vida"/Frida Kahlo:



"O sol" / Staël:



"O sol" / Munch:










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