quinta-feira, 28 de março de 2019

o lápis do poeta


Manoel de Barros só escrevia à mão sua poesia, e sempre a lápis. Nunca lapiseira de plástico, sempre  lápis de madeira. Curiosamente, “digitar” é um ato que faz parte da atividade de “bater”, “golpear”. Quem digita, bate com os dedos nas teclas. Escrever à mão expressa outro tipo de movimento: desenhar. Quem escreve agencia sua mão com o corpo do lápis, e  por intermédio deste é nosso corpo que também escreve, com seus nervos e fibras, incluindo as do coração. Quem escreve à mão  desenha, parecendo às vezes que o lápis também dança na ponta de seu grafite, como a bailarina  equilibrada na ponta dos pés. Para que na palavra também se expresse a vida,  mais adequado  é o lápis do que a caneta: a tinta que sai desta é coisa química, mas o grafite que o lápis liberta veio da imanência da terra, é vida. O cérebro não funciona da mesma maneira quando se digita e quando se escreve à mão, quando se bate e quando se desenha, quando se golpeia e quando se dança. Há certa violência em bater-digitar. Talvez essa seja uma das razões que explique porque  os fascistas gostam tanto de violentar também as teclas e, por intermédio destas, as ideias, encontrando no meio digital um ampliador de suas violências físicas e simbólicas. Nada contra o digitar, porém escrever à mão, a lápis, é ato mais afim ao poema que , como gente, também nasce: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”(Manoel de Barros).



( fonte da foto: blog “Os Fazedores”. A foto  é uma composição com um desenho feito pelo  próprio Manoel)
                                                                                                                                                                      

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