quarta-feira, 27 de março de 2019

a tangente


Manoel de Barros define sua poesia como uma “Estética da Ordinariedade”.  Mas a “ordinariedade” de que fala Manoel nada tem a ver com o   “ordinário” das coisas ética e politicamente pequenas.  Curiosamente , a  ideia de “ordinário”  vem da matemática, assim como  a noção de “extraordinário”. Na matemática, os “pontos ordinários”  de um triângulo são os inumeráveis e indistintos pontos que ocupam cada um dos lados da figura, ao passo que seus três “pontos extraordinários” ou “singulares” localizam-se em cada ângulo do triângulo. Em uma reta, por sua vez, os pontos extraordinários são dois: os que ocupam os extremos da linha.
Mas  a relação  entre ordinário e extraordinário mostra toda a sua riqueza quando examinamos o círculo. Tal figura geométrica parece destituída de pontos extraordinários ou singulares. Geralmente se  costuma dizer que nossa vida é um círculo: o círculo de nossa vida. Então, estaria o círculo de nossa existência destituído de momentos singulares? Estaria nossa vida refém do ordinário?
Porém  o círculo guarda um segredo, tanto na matemática como na vida: qualquer ponto ordinário seu pode metamorfosear-se em ponto extraordinário, se por ele passar uma “tangente”. “Tangente” significa: “ o que toca ou afeta”. Na matemática, a tangente é uma linha, porém na vida uma tangente pode ser qualquer coisa que, como “linha de fuga”,  potencialize o sentir e  o pensar. “Linha de fuga” não é fugir de algo, mas fazer fugir algo que estava aprisionado. Toda tangente abre o que está fechado, deixando entrar luz, ideia  ou ar.  No encontro da tangente  da poesia com o círculo de nossa vida , este é tocado e se abre, o suficiente para um pouco de  vida de novo entrar.  





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