quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

o nascimento da virtude

Assim diz o mito: quando Ulisses retornou à sua casa, viu que muitos queriam ocupá-la , já o tomando por morto. Eram os “pretendentes” ao poder, que queriam inclusive tomar-lhe a esposa Penélope. Ulisses se acercou deles disfarçado de velhinho, fingindo ser um pretendente também. Penélope propôs então uma prova: “terá minha mão e a chefia da pólis aquele que dobrar o arco de Ulisses”. Os pretendentes se atropelaram,  todos queriam ser o primeiro, julgando que seria fácil aquela prova. O arco passou pela mão de cada um , mas sem se dobrar um milímetro. Até que chegou a vez do velhinho...Todos zombaram , julgando pela aparência que viam, pois  pretensiosos só veem  aparências, e  ignoram o autêntico esforço. O velhinho-Ulisses, porém, dobrou o arco, e não foi com meros músculos.
Quando a corda do arco fica tensa, ela se torna capaz de "vibrar" e lançar a flecha longe. Essa força potencial que nasce da corda tensionada era chamada de “vis”, de onde nasceu “virtude”, como força ou “intensio” ( "ir para dentro da vibração”) que dota a alma da capacidade de pôr-se à prova, às claras, para assim lançar longe, pelo exemplo,  as ações ou palavras que nascem dela, como flechas.

Segundo Plotino, há duas possibilidades para o homem: ser Narciso ou ser Ulisses. Narciso é o egoísta a querer que o outro seja uma cópia ou réplica dele mesmo. Quando dois Narcisos se encontram, portanto, é ódio recíproco, pois um quer anular a diferença do outro. Já Ulisses é o retorno da alma a si mesma por intermédio da ação ético-política  que dobra as impossibilidades pela força de querer mais do que o possível. É do caráter, e não dos músculos , que vem a potência que vence as provas ético-políticas e distingue o autêntico do mero usurpador dissimulado.


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