domingo, 3 de setembro de 2017

o fio e a teia

Linhas retas não vencem um labirinto. Somente o fio que sai de um novelo pode tomar a formar de um labirinto, mas sem se perder nele. 
De um labirinto não há mapas. O labirinto não é como uma cela que prende entre paredes, o labirinto encerra  deixando ao preso a ilusão da escolha. Essa é a loucura do labirinto: a ilusão de que somos senhores de nossas conscientes escolhas. Mas o labirinto zomba da consciência, ri do raciocínio. Ele nos imobiliza enquanto nos movemos dentro dele. O labirinto é o passo reduzido às pernas, sem caminho ou horizonte.
 Há labirintos na mente, na linguagem , nas cidades que engolem as gentes. Entra-se no labirinto simplesmente nascendo, envolvido no espaço e tempo, embora o pior labirinto seja a familiar casa em cujo habitar se perdeu o sentido...
Somente um fio nos pode ajudar a no labirinto entrar e dele sair. Um fio flexível que decore o labirinto, inventando um caminho onde caminho não há. O fio vence o labirinto forjando  uma memória sobre a qual se retornará, dessa vez como linha de fuga. Se o labirinto é loucura e risco, loucura e risco o fio também se torna, mas para deles nos tirar. Quando se sai do labirinto, puxa-se o fio, e se deixa o labirinto lá, como a impensável experiência que somente o pensamento pode pensar, para assim se achar, inventando sua possibilidade da impossibilidade  mais extrema.

O fio nasce do ventre da aranha, a artesã de teias. Um labirinto é uma teia. É Ariadne quem tece o fio que extrai de suas entranhas. Ariadne é a arte que tece o fio da narrativa. Filosofia, poesia, literatura...são fios de narrativa, não são informação de coisa objetiva. 
Narrar é criar sentido que nos faça achar a saída, sem que a preceda uma entrada. A alma é tecelã do sentido que a faz achar a si mesma, saindo de si mesma, do labirinto que ela também é. A alma é, para si mesma, sua loucura ou sua saúde, fio de forca ou fio  de salvação. Pois a aranha fia o fio da fuga, que é o mesmo fio que pode ser o da teia, um labirinto não apenas para suas presas.O fio vira teia ao se tornar sistema, teoria : malha para reter verdade pronta. Quando ele é apenas fio, porém, é poesia, é invenção : é caminho que deixa para trás a cotidiana prisão.

Escher, Labirinto



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