terça-feira, 16 de maio de 2017

manoel de barros: o feto dos nomes

Segundo os estudiosos da vida, a fase na qual fomos mais fortes e resistentes corresponde àquela onde éramos apenas embriões.  De fato, o embrião está mergulhado em uma realidade em constante processo. Ou melhor, ele mesmo é uma realidade em processo. E, como tal, sofre a força de movimentos intensos, uma vez que é o caos vital o seu berço vivo , dentro do qual o embala  um sono sem imagens. E seu psiquismo, igualmente embrião, germe, ainda não tem contorno ou limites: por isso mesmo, o embrião não pensa nem de dentro e nem de fora, mas simultaneamente em ambos, de tal forma que mente e corpo estão unidos na sensação que o embrião é e explora. Sua alma, híbrida com o corpo, é um deslimite
No indivíduo adulto formado, um pequeno movimento fora da ordem estabelecida de seus órgãos pode lhe causar um dano irremediável, ou até mesmo a morte. Pois o que é o infarto ou o derrame senão pequenos movimentos erráticos que põem abaixo a ordem  mantida pelos órgãos? Ou seja, quanto mais pronto está um ser, mais fraco se torna para suportar os movimentos não codificados pela ordem que lhe dá uma identidade e unidade. Talvez por isso  Manoel de Barros tenha afirmado que  a “poesia está sempre  no escuro regaço das fontes.”
Para nos fazermos um com o movimento do mundo, do cosmo, do socius e dos nossos próprios desejos, devemos colocarmo-nos em estado de embrião, germe. Pois o pensamento criativo e questionador requer que nos coloquemos nesse  estado. Como diz Manoel de Barros, “há que se encontrar a primeira vez de uma frase para ser-se poeta nela”.
Só é possível pensar  em  estado de embrião . Experimentamo-nos, nessa singular condição, como processo e movimento perpétuo, cuja identidade adquire uma natureza exploratória, sendo o mundo o território no qual essa atividade exploratória se exerce . O resultado dela somos nós mesmos enquanto agentes ao mesmo tempo singulares e coletivos. Nas palavras de Deleuze: um sujeito larvar. Mesma ideia pode ser encontrada em Manoel de Barros. Este processo, segundo ele, é

Lá onde a gente pode ver o próprio feto do verbo
ainda sem movimento.
Aonde a gente pode enxergar o feto dos nomes.

                                                                                                

(trecho do livro)

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