sábado, 1 de abril de 2017

livro Uff

                                      



( Neste livro há um capítulo escrito por mim  dedicado ao poeta)



Trecho:




                                             Manoel de Barros: um sabiá com trevas                                                                                                                                                                                 


O não-filosófico está talvez mais no coração da filosofia que a própria filosofia,
 e significa que a filosofia não pode contentar-se
em ser compreendida somente de maneira filosófica ou conceitual.
Mais importante do que o pensamento é o que “dá a pensar”;
mais importante do que o filósofo é o poeta.
Gilles Deleuze



1. Introdução: não se pode passar régua em Manoel
No dia 6 de setembro de 2016 o Centro de Artes Uff prestou uma bela e mais do que merecida homenagem ao centenário de Manoel de Barros. O evento fez parte do Festival Nacional de Cultura Popular – Interculturalidades, organizado pela Uff. Fiquei honrado e feliz por ter sido convidado a participar da homenagem, juntamente com Douglas Queiroz Marçal (assessor de Cultura e de Comunicação da Fundação Manoel de Barros), Luiz Henrique Barbosa (pesquisador da obra do poeta), Mário  Chagas (poeta), Gabraz Sanna (diretor do filme “Língua de Brincar”) e ainda o neto do poeta, Thiago Barros.
A mesa que nos reuniu teve por título um verso do Manoel: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”[2]. Quanta beleza e generosidade nessa frase! Não por acaso, “generoso”, “gerar” e “gente” procedem de uma mesma raiz: “gen”, que significa exatamente “nascer”. O poeta-generoso faz nascer ideias, afetos, percepções, comportamentos, empoemamentos...lá mesmo onde tudo parecia entregue, “acostumado”[3]. Esse “fazer nascimento” é uma forma de resistência que irradia de seus poemas e vem se alojar naquilo que em nós “pede um pouco de possível, para não sufocar”, como dizia Foucault. Há uma inocência nesse resistir, pois se resiste brincativamente[4]. Creio ser esse fazer nascimento a essência do que em Manoel é uma original “empoética” , como prática lúdica, ética, política e clínica de empoemar-se (sobre a qual falaremos mais adiante[5]). 
Como definir Manoel de Barros? Essa pergunta suscita outra: por que querer defini-lo? Manoel de Barros é definível? Creio que a dificuldade de se classificar Manoel, pôr nele uma etiqueta, deve-se ao fato de que sua poesia, como poucas, pouquíssimas, é uma aproximação com as fontes[6]. O próprio Manoel é grato às suas fontes. A fonte é a origem que renova[7]. Ser grato às fontes é devir fonte. A fonte também é uma visão, uma visão fontana[8]. A visão fontana faz nascimento no ato de ver, pois “é pelo olho que o homem floresce”.[9] O mundo que os olhos da lagarta veem não é o mesmo que verão os olhos da borboleta: os mundos mudarão porque mudarão, antes, os olhos, diferentes olhos terão florescido.
Há estudos feitos no âmbito da teoria literária que tentam esquadrinhar a obra do poeta, buscando afinidades e filiações, simpatias e pertencimentos. Há razão nesses estudos, não há o que questionar. Porém, basta ler o poeta para perceber que nele há um estilo ainda não catalogado, ainda não visto, como passarinho cuja espécie carece ainda de nome. Há em Manoel uma verdez[10], uma não velhez : a “velhez não tem embrião”[11]. Para saber e experimentar essa não velhez basta lê-lo...Porém, há ainda aqueles que dizem ser Manoel uma fórmula, que há uma fórmula-Manoel , como se o poeta se repetisse. Reduzem sua poética a algumas ideias-imagens que se repetem. Com isso, parecem querer não achar motivo ou razão para perdurar, e renovar, tanto encantamento que muitos encontram em Manoel, sejam eruditos ou não, letrados ou gente simples, jovens, crianças ou idosos.
Contudo, já li não sei quantas vezes um mesmo poema do Manoel. Cada vez que o leio se produz em mim um empoemamento completamente diferente do empoemamento que tivera ao lê-lo anteriormente. É sobre este verbo que é preciso ter a atenção: o empoemar. A obra de Manoel é uma empoética. Não se lê Manoel sem empoemar-se. Mas o que significa empoemar-se? É possível definir esse afeto-metamorfose? O mesmo acontece quando se pergunta acerca do que significa o tempo, o infinito, o desejo, o inconsciente, o absoluto, o sentido...  Pode-se dar uma resposta que encerre o problema? Ou ainda: o que significa pensar? Quem se satisfaz com uma resposta que de-fina, dá fim, a essas questões?
Manoel traz uma questão ainda mais nova, que talvez sempre permaneça como a prova de que em seus versos há um “embrião”, desde que em nós também se ache uma verdez. A novidade manoelina não diz respeito à diferença sempre debatida entre a poesia e o poético, mas entre o poético e o empoético.






[2] Encontros: Manoel de Barros (org. Adalberto Müller), Rio de Janeiro: Azougue, 2010p. 135.
[3] “Não use o traço acostumado”, verso do poema “As lições de R.Q.”, Livro sobre nada.
[4] Nossa linguagem não tinha função explicativa, mas só brincativa”, versos do livro/poema Escritos em verbal de ave.
[5] Para saber mais sobre essa “empoética”, remetemos ao estudo que fizemos: Manoel de Barros : a poética do deslimite .
[6] Poema “Fontes”, Memórias inventadas - as infâncias de Manoel de Barros, p. 147.
[7] “Aprendimentos”, Memórias inventadas. - as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2010.
[8] “Canção do ver”, Poemas rupestres, p. 11.
[9] “A volta (voz interior)”,Livro de pré-coisas, p. 68.
[10] “Resta sempre uma verdez primal em cada palavra”, verso do poema “Pedras aprendem silêncio nele”, Gramática expositiva do chão – poesia quase toda, p. 342.
[11] Encontros: Manoel de Barros, p.98.




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