domingo, 30 de abril de 2017

fiar junto:pensar em novelo

Pensamos em novelo.
Maria Gabriela Llansol

     “Con-fiar”: fiar junto. Fiar é tecer.Fiar não é traçar linhas retas no espaço, fiar é inventar linhas de fuga que dão sentido ao tempo. Ariadne fiava o fio que vencia o labirinto onde o monstro morava, fio da sobrevivência, pois esse fio toma a forma do labirinto sem se perder nele, posto que  é maior do que ele.O fio de Ariadne nasce de um novelo, não nasce de régua e compasso.
     “Linha de fuga” é uma noção criada por Deleuze e Guattari para explicarem o ato criativo. Criar uma linha de fuga não é exatamente fugir de algo, mas fazer fugir algo de uma forma ou limite que o prendia. Por exemplo, Van Gogh fez fugir a pintura de uma forma ou limite de se compreender a pintura .Antes de Van Gogh produzir sua linha de fuga, todos achavam que pintura era aquilo que até então se fazia, de tal maneira que os mantenedores de tal visão  não aceitaram ou desprezaram a linha de fuga que Van Gogh inventou. De certo modo, tais mantenedores do estabelecido não tinham olhos para ver o novo. O que Van Gogh fez não foi destruir a pintura ou simplesmente negar a pintura, o que ele fez foi recriar a pintura, potencializando-a,  fazendo-a começar de novo. O novo nunca começa de um zero, de um nada, ele começa em uma fuga, em um fazer fugir algo .Tudo é linha de fuga: a própria arte não é uma imitação ou cópia de uma dada realidade que lhe é exterior, a arte é o ato de fazer fugir uma  realidade daquela forma de realidade que o senso comum acredita ser a única realidade. A própria vida não é uma fuga da empírica matéria, a vida é a linha de fuga que faz fugir da empírica matéria um Empirismo Superior.Como afirma Manoel de Barros: "inventar aumenta o mundo".
     Diz a exata ciência que as linhas retas são a menor distância entre dois pontos imóveis. Mas o fio que que tece narrativas alcança os mais distantes pontos e os conecta, os aproxima, para assim criar elos, ampliando-nos até eles, mesmo que eles estejam em espaços que ainda não existem: espaços desejantes de invenção e utopias.
Etimologicamente, novelo é: novo elo. Traçamos fios juntos para criar novos elos.Essa é a razão de ser do novelo: não acúmulo de linha, mas manancial de novos elos, novos agenciamentos. Mesmo um objeto pode ser um novelo, um novo elo, desde que nos coloquemos como agentes produtores dos fios , fios de sentido, que nascem deles.Um objeto não é apenas uma coisa que se usa, ele pode ser um agente de novos elos.
Arthur Bispo do Rosário viu-se preso no labirinto de seus delírios. Porém,o fio da arte o fez achar uma linha de fuga : em cada lençol , em cada roupa, em cada coberta ou casaco que lhe davam no incomunicável quarto do asilo , ele soube achar nessas coisas o novelo ainda ali vivo; na coisa pronta ele soube descobrir o processo que as fez nascer.Não havia mais camisa ou lençol, mas um novo elo para ele se achar no mundo, achando-se em si mesmo. Ele viu o novelo que  ainda vivia nas coisas  como memória, imaginação, potência, invenção, virtualidade, enfim, vida...Sua bordadura poética fez viver de novo o fio que se fiou nas coisas, para assim fazer viver no finito o infinito novelo de qual todas as coisas saíram. E quem  a isso vê, produz em si mesmo uma clínica, uma saúde.Dos fios desfiados de camisas e lençóis já quase em farrapos, Arthur soube com eles fiar as bordaduras de uma existência nova. Dos fios de um uniforme que vestia o louco, ele desfez a forma, libertou o fluxo dos fios, e com estes  inventou a capa multicolorida de um rei.

                                            (Arthur Bispo do Rosário)

São os novos elos que nos possibilitam criar linhas de fuga que vencem os labirintos.Mas não se fia esse fio sem o confiar nos elos, não se fia esse fio sem o agenciamento que todo con-fiar é.
Toda ideia é um fio que se fia junto, e o novelo do qual ela nasce é o pensar. Pois é isto o pensar: ele nada tem a ver com um ponto-ego, dado que  ele é prática de fazer novos-elos, de os criar.
O   amigo  fia a ideia  da amizade ao crer no amigo; o amante  fia o amor para amar a quem ele se une em elo. É a justiça, a ideia da justiça, que dá ao juiz o poder que ele tem, não sua toga ou paramentos: a sentença  somente é justa se for  um fio que se puxa do novelo da justiça.
Os bons encontros de que fala Espinosa são fiações, bordaduras, tessituras das relações que nascem do Novelo infinitamente infinito da Natureza.




              ( detalhe de Estandarte, obra de Arthur Bispo do Rosário)




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