A maior riqueza de um homem é sua incompletude.
Manoel de Barros
Viver é transformar-se dentro da incompletude.
Paul Valéry.
- O tempo "por vir" não é o "porvir".
“Porvir” é um verbo substantivado. Ele expressa , infinitivamente, o ato do que está por vir. Para achar o acontecimento que dá vida ao porvir, é preciso separar o que a gramática juntou, para assim vislumbrar o encontro dissimétrico entre o presente e o que há de vir, como por vir.A razão de ser do porvir se encontra em seu minadouro, que é onde ele nasce. O minadouro do porvir é o agenciamento do verbo “vir” com a forma preposicionada “por”. O que está por vir não se encontra em uma posição, em um lugar, em um "aqui", uma vez que ele já vive também no que antecede toda posição, todo "aqui" dado, como pré-posição não dada, mas por criar, por vir. O que está por vir antecede o mero vir . Quando não compreendemos que o chamado "porvir" nasce do que está por vir singularmente enquanto acontecimento, acabamos por confundi-lo com o futuro ou com o amanhã genérico, "acostumado" - diria Manoel. O porvir é a forma infinitiva do ínfimo por vir, pois é do ínfimo que todo infinitivo nasce, como um horizontar-se dele.
“Porvir” é um verbo substantivado. Ele expressa , infinitivamente, o ato do que está por vir. Para achar o acontecimento que dá vida ao porvir, é preciso separar o que a gramática juntou, para assim vislumbrar o encontro dissimétrico entre o presente e o que há de vir, como por vir.A razão de ser do porvir se encontra em seu minadouro, que é onde ele nasce. O minadouro do porvir é o agenciamento do verbo “vir” com a forma preposicionada “por”. O que está por vir não se encontra em uma posição, em um lugar, em um "aqui", uma vez que ele já vive também no que antecede toda posição, todo "aqui" dado, como pré-posição não dada, mas por criar, por vir. O que está por vir antecede o mero vir . Quando não compreendemos que o chamado "porvir" nasce do que está por vir singularmente enquanto acontecimento, acabamos por confundi-lo com o futuro ou com o amanhã genérico, "acostumado" - diria Manoel. O porvir é a forma infinitiva do ínfimo por vir, pois é do ínfimo que todo infinitivo nasce, como um horizontar-se dele.
O
por vir não é o futuro de daqui a 10 anos. Tampouco o por vir é o futuro de daqui a um ano, ou um mês, ou um
dia, ou um segundo....Pois anos, horas, dias, segundos... são medições do tempo
cronológico. O por vir não é cronológico: nenhum calendário ou relógio o mostra
ou mede. Ele não é o futuro como dimensão do tempo que vem depois do presente,
assim como amanhã vem depois de hoje.
O
por vir não é o amanhã. Ele vem antes do
amanhã, mas não é o hoje; ele vem depois
do hoje, porém não é o amanhã. Entre o amanhã e o hoje, separando-os e fazendo-os existir,
é nesse intervalo entre-tempos que está o por vir. Do amanhã se pode até mesmo
fazer um museu com mirabolantes tecnologias. Porém, a tecnologia não tem nenhum privilégio para nos mostrar o
por vir. Não é na informática, é na invencionática que o por vir está.
O por vir nunca é o presente. O por vir não
vai começar daqui a um segundo ou um milésimo de segundo. O por vir não começa,
ele também não termina. Quem gosta de apostar corrida para disputar com o outro
precisa de relógios que, do zero, deem o ponto de partida para a competição. É
o tempo de chegada que determinará quem ganhou ou perdeu. Porém, o por vir não
começa, pois ele nunca é um zero, um nada de si mesmo. Para experimentá-lo em
si mesmo somente exercitando a gratuidade, a generosidade e a inocência: ele está mais para o tempo da brincadeira do que para o tempo da disputa.
Estamos no dia 31 de dezembro. Já é quase meia-noite. Em breve, virá o ano novo. A vinda deste não anula um tempo por vir que está antes dele e de todos os anos, tenham o número que tenham.Quando o ano novo chega, encontra o que agora somos, mas não o nosso ser por vir que não se mede por anos.
Estamos no dia 31 de dezembro. Já é quase meia-noite. Em breve, virá o ano novo. A vinda deste não anula um tempo por vir que está antes dele e de todos os anos, tenham o número que tenham.Quando o ano novo chega, encontra o que agora somos, mas não o nosso ser por vir que não se mede por anos.
O
por vir não é apenas o vir. Daqui de onde estou vejo o carro a vir, vindo. O carro por vir eu nunca o vejo, apenas o transvejo com olhos de descobrir.O carro por
vir está antes do carro que está vindo, porém ele nunca será um carro
vindo, mas sempre por vir. Não obstante, ele está a caminho: ele está no
horizonte aberto, e é nele, e não no carro vindo, que o meu desejo se
transporta para vir até mim: para me fazer outro eu mesmo, aqui.
Pelo
por vir não se espera. Ninguém espera pelo horizonte. Mas quem vê o horizonte
já se instala nele e assim se orienta, horizontando-se. O por vir não é o
futuro que virá , o por vir é o presente se metamorfoseando em outra coisa que nunca
antes fora presente. E isso no qual o presente se transforma o faz cessar de
passar, pois ele conquista a potência de durar e vencer o sumidouro para onde vão
todas as coisas que antes se gabavam de eternas. O presente assim transfigurado não
quer ir para o passado para virar lembrança, ele quer permanecer como
experiência intensa do que não pode viver a memória: o vir do novo. O novo
sempre revém vindo outro.
O
por vir não é antecedido por algo que não seja ele. Ele não é o efeito de uma
causa. O por vir está sempre aí, já correndo, já durando, já sendo. O por vir é
fonte dele mesmo. Ninguém pode viver na fonte, pode-se apenas viver o mais
próximo possível dela. O mais próximo possível do por vir já é o por vir que se
experimenta. O por vir está sempre chegando, nunca para de chegar, sempre
outro, novo, ex-temporâneo.
O
por vir não está no que passou, muito menos o por vir é o que passa. O tempo do por vir é o que está por vir. Quando alguém deseja nos
visitar deve fazer-se anunciar, antes, por uma mensagem. Por exemplo, a carta do amigo anuncia sua
visita. A carta vem antes do amigo: embora não seja sua presença, já a
antecipa, de tal modo que já sorrimos fazendo sua leitura, já vendo o amigo. O por vir é a visita por vir.
A mensagem que anuncia sua chegada , porém, não pode estar separada dele, pois
o por vir não se separa dele mesmo Mas se o por vir não se anunciasse por algo
diferente dele não saberíamos que ele está por vir: ele que nunca chega precisa fazer sua mensagem chegar.
A
mensagem que anuncia o por vir é uma só: a novidade. Não a novidade de uma embalagem nova de um produto antigo, tampouco a novidade da mera informação midiática. O por vir se anuncia por intermédio da novidade, da diferença.
Assim como a carta do amigo somente é a carta do amigo quando está em nossas
mãos , quando então a abrimos e a lemos; a novidade que expressa o por vir
somente é novidade quando ela nos abre, nos desabrindo, diria Manoel.
Experimentamos então que somos a própria mensagem por intermédio da qual o por
vir se anuncia, desde que se abra em nós o que em nós é por vir.
A
mensagem do amigo não é propriamente a tangível carta: a mensagem é a amizade que já está em mim,
antes de a carta chegar, porém chegando também com ela. Não é apenas o amigo que está por vir: também está por vir o outro eu que o abraçará, no abraço por vir. O que está por vir não é o que no presente falta, o que está por vir é a reserva de um tempo outro que nunca deixa o que é novo faltar-se.O
iminente que está sempre na iminência é a urgência mais urgente que se alcança
sem pressa. Essa urgência em viver é tanto nossa quanto somos dela, e dura enquanto durar nossa
presença a ela.
Muito já se disse que o presente é um “presente”, e que devemos ser gratos e alegres por receber essa dádiva. Mas não é uma urgência maior conhecer o produtor da dádiva, o que presenteia? E assim, quem sabe, contagiar-se com a discreta alegria ainda mais viva que está no presentear sem esperar outro presente em troca.
Muito já se disse que o presente é um “presente”, e que devemos ser gratos e alegres por receber essa dádiva. Mas não é uma urgência maior conhecer o produtor da dádiva, o que presenteia? E assim, quem sabe, contagiar-se com a discreta alegria ainda mais viva que está no presentear sem esperar outro presente em troca.
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