sábado, 15 de agosto de 2015

kronos



A eternidade está longe:
brinca de tempo-será.
Manoel Bandeira

O melhor o tempo esconde,
longe,
muito longe,
mas bem dentro aqui.
Caetano

No mito, Gaia, a Terra, tirou de sua imanência Uranos, o Céu  −ou a Eternidade. A Terra é a mãe de tudo,mesmo do Céu,mesmo da Eternidade.Ela, a Terra, nasceu do Caos.Todavia,ela dele não se separou, ela não se pôs à parte: se adentrarmos em seu seio, chegaremos a um ponto no qual  a própria Terra tem seu caos, como o fundo das cavernas muito profundas,ou o núcleo movente onde ferve uma matéria ainda incandescente. Por outro lado, a Terra também se eleva ao Céu: o Olimpo, por exemplo, é uma continuidade da Terra que se ergue ao Céu.Mas não é apenas aqui,nas alturas plácidas,  que moram os deuses, pois  na profundidade caótica também vivem divindades.
Houve um momento, porém, um momento antes do nascimento dessas divindades solares e subterrâneas, houve então uma ocasião em que surgiu Eros, o Amor. Este surgiu também da mesma fonte de onde brotou a Terra.Eros surgiu do Caos.Sob a força do Amor, o Céu ( a Eternidade) veio amar a Terra. Entre os dois já não havia vazio ou distância,havia apenas o Amor.A Eternidade amou a Terra enquanto o Amor os unia. Tudo na Terra se tornou eterno, enquanto a própria eternidade ,enfim, tornou-se Vida.E foi assim, nesta vida ao mesmo tempo terrena e eterna, terrena e celeste, foi nessa Vida indistinta do Amor, foi pela ação dessa vida que nasceram as divindades,cujos nomes expressam realidades físicas, afetos,eventos,valores, ideias.Tudo isto nasceu do Amor que tornou eterna a Terra e terreno o Céu.Nenhum evento físico, nenhum afeto ou valor pode nascer sem este encontro, que é um  "celestar as coisas do chão", diria Manoel de Barros
 Porém, entre os rebentos desse Amor havia o Tempo, Cronos,ele também uma divindade, além de ser,para nós, uma realidade híbrida,ao mesmo tempo física e subjetiva,anímica.Com o Tempo nasceu a medida: minutos, horas, dias; e tudo passou a ser medido assim,embora houvesse ainda a Eternidade como causa das coisas, e que as fazia serem percebidas de outro modo, de um modo eterno ( sub especie aeternita,como diz Espinosa), sem serem reduzidas às medidas do tempo.
Todavia,o Tempo quis tomar o lugar da Eternidade, e assim o fez. Ele,o Tempo,feriu a Eternidade de um modo terrível: ele a castrou,o Tempo castrou a Eternidade,o Céu.Doravante, nada seria mais filho do Eterno,mas tão somente do tempo. Então,tudo nasceria segundo limites mensuráveis pelos minutos,pelas horas,pelos  anos....Nada seria mais  eterno,se nascido sob o  tempo.Os  seres vivos, incluindo o homem, e incluindo também tudo o que pensa ,faz e sente o homem, tudo seria fugaz, passageiro, efêmero,desesperante, angustiante...figuras de um caos que agora passou para dentro do homem. 
O Tempo afastou tanto a Eternidade, ele pôs o Céu tão longe e distante,  que loucos passaram a ser considerados os que afirmam que sentem que são , de alguma forma , também eternos ( Espinosa, Giordano Bruno,Hördelin...). O Tempo também afastou a Terra, o sentido da Terra, e,com ele, o Amor nascido da e pela Imanência. E os que afirmam serem filhos da Terra são considerados mais loucos ainda ( Deleuze,Nietzsche, Artaud...). Quando o tempo quer imperar sozinho, ele transforma o Céu em mera Transcendência que  passará a se opor não a ele,mas  à Terra,uma vez que o Tempo precisa do Céu para justificar-se como tempo da esperança e da promessa.

Mas o Tempo,Cronos, não pode evitar que,nele e através dele, vislumbremos o Céu e a Terra como Horizonte Absoluto que o produziu e produz, aquém de toda esperança e espera. Quando reportado a este horizonte,o tempo se converte em Acontecimento que faz retornarem a Eternidade e a Terra, unidos em um amor fati.











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