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http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/issue/view/15
(trechos do artigo)
Em grego, comunicação procede
de to
koinon ,“o comum”. O comum não é o público ou o privado; ele não se
vincula, tampouco, ao Estado. O comum não é a propriedade de todos, posto que o
comum é exatamente aquilo que foge à lógica da propriedade. Do comum se
participa. O comum é a criação de um espaço que foge à lógica dos conjuntos
fechados geometricamente e que ostentam uma identidade fixa. O comum é a
criação de lugares topologicamente constituídos: ele é encontro de diferenças.
Quando há uma mediação, nasce o que Espinosa chamava de bom
encontro. Uma relação como mediação e bom encontro nunca é composta apenas de dois, mas de três: entre os amigos,
a amizade; entre o professor e o aluno, a educação; entre o juiz e o réu, a
justiça; entre aqueles que se amam, o amor; entre o museu e o público, a
exposição. É o que está “entre” que torna cada parte que se encontra unidas pelo
elo: este abre cada parte ao encontro de
um todo que não é forma, mas processo,
produção. Quando uma relação é reduzida a apenas dois, surge a possibilidade do
domínio, ou do duelo, ou da submissão. O comum não é meramente semelhança. O
que faz dois amigos terem a amizade como
o comum que os liga não é usarem roupas semelhantes, ou ostentarem posses
semelhantes, tampouco terem opiniões semelhantes. O comum faz nascer elos pela
diferença.
(...)
Na
teoria tradicional, o que está no meio sempre foi considerado como aquilo que
apenas tem valor na medida em que liga dois polos, após o que se apaga enquanto
meio (ninguém pensa muito na estrada depois que chegou ao seu destino). A
mediação cultural, diferentemente, cria um espaço de mestiçagem, uma vez que
produz interfaces, isto é, faces que se conectam a partir de uma face comum. A
mediação, o terceiro que está no meio, não apenas transmite ou faz interagir
dois: ele é um espaço de transformação dos dois em mais que dois. O meio, como
mediação, não liga apenas os polos, liga também, através dele, os dois polos à
sociedade, bem como à natureza. A comunicação assim entendida é vida que dá
vida ao acervo, apresentando-o não apenas como fonte de informação, mas também
como fonte de vida, de inquietações, de ideias, de experimentações, de
surpresas, de aprendizagens não escolares (“saberes que não vêm em tomos”, como
dizia o poeta Manoel de Barros ) .
Conforme afirma Mattelart , democracia não é
apenas exercício, pelo voto, da vontade. A democracia também é, antes de tudo,
formação da vontade. Formar uma vontade é formar igualmente uma pessoa. Formar uma pessoa é cultivá-la, e
este é o sentido original de cultura: cultivo. A cultura cultiva a pessoa ao
ligá-la ao que é comum, e do qual ela deve ser uma parte ativa. Não se pode
formar uma vontade livre a não ser mediante um meio que também seja livre, e no
qual a liberdade seja , antes de tudo, a liberdade do encontro:encontro com a
exposição, encontro com o patrimônio, encontro com o outro, encontro, enfim,
consigo mesmo.Esse é o sentido maior de "política"; é por isso que
expor também é um ato ético.O pai das Musas, Zeus, é o deus da maior virtude
ética: a justiça.É por essa razão que musealizar também é fazer justiça ao que
não pode ser esquecido, pois esquecê-lo seria esquecer o que faz de nós
humanos.Aliás, recordar, criar memória, vem de re-cordis: cordis é, em
latim, coração. Recordar: trazer de
novo ao coração, que é o mediador que integra mãos e cérebro, técnica e teoria,
e os faz viver a comunhão que os torna completos. Se “gosto não se discute”,
como afirmam alguns, sempre é necessário discutir a formação dos gostos, a sua
produção, o que nos obriga a pensar
nas formas multifatoriais de
educação.
Elton, a leitura do seu texto foi fundamental para eu perceber aspectos do comum em Spinoza, que viria a explorar no Doutorado. Fico feliz que tenha sido publicado. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado,João!
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