Tem sido comum
ouvir em sala de aula opiniões como
esta: “Professor, não quero saber de
Homero, Hesíodo, Platão, Aristóteles, Kant...são todos Europeus!” De
minha parte, aceito a afirmação e
compreendo por qual razão ela é formulada.
Porém, tentando
horizontar a questão, argumento com cuidado e compreensão: “Mas a Europa também
tem sua periferia...Lucrécio, Diógenes, Diotima, Heráclito, Safo, Espinosa,
Nietzsche, Bakunin , Marx ,
Deleuze...estão na periferia da Europa, eles estão nas margens!”
Eles são
periféricos não no sentido literal-geográfico , eles são pensadores-poetas
periféricos pelas ideias que pensaram e produziram, muitas vezes sob ameaças e
imensas perseguições, ideias essas que, se bem apresentadas e explicadas em
sala de aula , podem dialogar com as periferias literais da América Latina e da
África, e com elas lutarem a mesma luta.
Por exemplo, uma
das ideias principais da Ética de Espinosa é a noção de “fortaleza”. Em latim,
“fortitudo”. Na língua banto, “fortaleza” é “quilombo”. Não por acaso há essa
coincidência de ideias, pois Espinosa e Zumbi , cada um à sua maneira, criam
espaços de resistência ante toda forma de poder centralizado e excludente ,
seja na Europa , seja aqui.
Nós mesmos temos periferias em nós, periferias para além da centralidade ensimesmada do ego: e é nessa periferia de nós mesmos que encontramos o Outro , ele também habitante de uma periferia intersubjetiva e transversal.
Sem dúvida, em sua maior parte, a filosofia europeia é falocrática, misógina e autocentrada. Em razão disso, é mais do que necessário pensarmos a partir de outras referências também, sobretudo as africanas e ameríndias. Descobrir outras lógicas, outras metafísicas, outras formas de produzir e viver o conhecimento. Porém, conforme argumentamos, há na própria filosofia possiblidades de pensares heterodoxos, críticos e criativos que podem dialogar , transversalmente, com temáticas ameríndias e africanas. Creio que é mais filosófico descobrir e apresentar essas possibilidades de diálogo, em vez de colocar uma etiqueta generalizadora sobre a filosofia e afastar os jovens dela, antes mesmo que eles possam descobri-la.
É preciso encontrar um espaço transversal entre as periferias e margens, pois é neste lugar “horizontado”, como diria Manoel de Barros, que o pensar pode encontrar novos temas, novas questões, e ser uma ferramenta de mudança .
“Horizontar” é um verbo-acontecimento criado pelo poeta Manoel de Barros. “Horizontar” é perspectivar, colocar horizontes nas ideias, para assim não deixá-las se fecharem em “verdades enrijecidas e dogmáticas”.
Como ensina
o pensador-poeta Manoel de Barros: “Os
Outros: o melhor de mim sou Eles.”
( na imagem, um
encontro de periféricos: Manoel-Heráclito).

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