Certa vez , perguntaram ao
filósofo Gilles Deleuze por qual razão ele nunca foi filiado a um partido, e
aproveitaram também para indagá-lo acerca do que é ser de
esquerda.
O filósofo deu mais ou menos a
seguinte resposta: antes de ser um posicionamento político-partidário, ser de
esquerda expressa o modo como nos inserimos na existência.
A pessoa de direita parte, antes
de tudo, do seu ego. Ela vive no interior de um círculo no qual estão
seus interesses, suas propriedades ( já possuídas ou apenas desejadas),
suas ambições, suas pretensões, suas opiniões...Mas também ocupam o círculo
estreito do ego seus medos, seus ressentimentos , seus fantasmas, suas feridas
mal curadas...
O homem de direita imagina que
esse círculo estreito é o centro do mundo, de tal modo que tudo o que existe
fora desse círculo, no espaço e no tempo, é para ele só “narrativa”. Daí seu
desprezo pela ciência, pela história, pela sociologia e pela filosofia, e seu
medo paranoico dos outros povos e suas maneiras diferentes de viver, medo esse
traduzido na expressão “globalismo comunista”.
Pode parecer paradoxal, mas
apenas seres que vivem num círculo existencial estreito adaptam-se a existirem
no interior de um rebanho ou massa. Pois rebanho não é um conjunto
heterogêneo de singularidades, rebanho são indivíduos aprisionados a si mesmos
e que se agregam em celas contíguas.
Ser existencialmente de esquerda,
ao contrário, é partir daquilo que Espinosa chama de o Absolutamente Infinito.
A percepção de esquerda se abre ao que não pode ser cercado ou contido, para
que a mente e o coração ligados a tal percepção permaneçam sempre
abertos.
É a partir do infinito aberto que
o ser existencialmente de esquerda compreende que desse infinito
fazem parte o cosmos, o nosso planeta, as outras nações, o nosso país, a
nossa cidade, o nosso bairro , o outro e, enfim, a sua pessoa.
Ser de esquerda é não se colocar
como primeiro ou último numa concorrência, mas como parte singular de
realidades mais amplas e horizontadas (como ensina também Manoel de
Barros).
Ser de esquerda não é apenas
compreender teoricamente isso, mas sobretudo agir a partir dessa percepção. E
dessa percepção podem nascer não apenas ações empáticas, solidárias,
generosas , dignas , justas , corajosas e revolucionárias, pois dessa percepção
também podem nascer poemas, músicas , artes e educação não menos
revolucionárias.
(imagem: os filósofos Deleuze
& Guattari e o livro que escreveram juntos)
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