sexta-feira, 25 de julho de 2025

Didática da invenção

 

Segundo o poeta Manoel de Barros, há na poesia uma didática. Não uma didática para nos ensinar cartilhas . A didática que a poesia ensina é uma “didática da invenção”.

Ensinar a inventar e criar para não sucumbirmos à resignação e ao medo , essa é a lição de tal didática, lição para aprendermos a nos refazermos.

Manoel diz que aprendeu essa didática não em livros ou com mestres doutores, ele a aprendeu com um menino: "inventei um menino levado da breca para me ser”. O poeta inventou um menino para sê-lo: e é o próprio menino inventado que ensina a Manoel como (re)inventar-se. Esse menino, diz o poeta, é “a criança que me escreve”.

Essa criança lúdico-poética não é uma idade , ela é a própria potência da vida em seu “minadouro” e novidade. Para que não nos domine a “velhez” , o poeta nos convida para os seus “exercícios de ser criança”.

“Velhez” , segundo o poeta, também não é uma idade, “velhez” é uma forma de mentalidade refém do “mesmal”. O mesmal é a vida reativa, ressentida, resignada, não importa a idade que se tenha. Às vezes, até mesmo  partes da sociedade são tomadas pela velhez, engendrando assim servidões e tir4nias. O mesmal e sua velhez são  a antipoesia - no sentido existencial, político e subversivo  que a poesia tem.

Na vida, os exercícios de ser criança consistem em soltar e dar linha na pipa , atirar com estilingue nas latas, jogar bola na rua , muitas vezes tendo que driblar a repressão dos guardas . Os exercícios são as “peraltagens” de que são capazes as crianças.

É preciso aprender a fazer essas peraltagens com as palavras, para elas serem para nossa liberdade o que a linha é para a pipa : para horizontar a mente com linhas de fuga.

Que nossas palavras também aprendam a driblar as significações dominantes e seus guardas. Enfim , inventar com as palavras uma lúdica arma, um simbólico estilingue, uma arma para fazer viver e não para matar, apontada contra a velhez dos reaças.

Como ensina também Kierkegaard: “O homem seria metafisicamente grande se a criança fosse seu mestre”.





 




Texto publicado no facebook:

Certa vez, quando eu era aluno de filosofia, ouvi uma aula belíssima do professor Cláudio  Ulpiano dizendo que só há uma condição de resistirmos ao poder, ou não sermos seduzidos por ele, seja ele qual for  : permanecendo  marginais. Ser marginal é estar na margem: nem dentro , nem fora.

A margem é como uma membrana: um espaço de comunicação entre o dentro e o fora. O poder, por sua vez, quer sempre o centro, e é por isso que ele é centrípeto, monopolizador, e a tudo quer subordinar à sua lógica.

A lógica do  poder é a da “bolha” , do espaço fechado, e por isso  teme aberturas, horizontes.

Mas quem se coloca “fora”, num espaço de pretensa “neutralidade” , com certeza não se compromete, porém perde o poder de agir: constata, critica, reclama, mas não age.

Tudo tem uma membrana. E é nesse espaço da membrana que é preciso se colocar se quisermos  construir linhas de fuga. Como diz Manoel de Barros, é na membrana que podemos desabrir algo que está fechado.

Disse isso por conta desse espaço aqui, o facebook. De uns tempos para cá, eles adotaram a prática de diminuir o alcance das postagens de todos que não se tornam “produtor de conteúdo” para ele.

Eles fazem uma espécie de chantagem: “se você não quiser ter suas postagens invisibilizadas e sua página escondida, submeta-se ao nosso comércio”. Comércio do que exatamente? Comércio de nós mesmos, pois é disso que se trata: nós somos o produto que eles vendem, comprando-nos antes.

Inclusive, como todo Mefistófeles, eles prometem que se vendermos   nossa alma para eles teremos uma recompensa: nossas postagens serão “bombadas”, “impulsionadas” e “turbinadas” pelos robôs e algoritmos deles, não importa o conteúdo ou a qualidade da postagem.

Eu disse NÃO a essa chantagem. Não sou funcionário deles, não “sou produtor de conteúdo digital” . Os conteúdos que coloco aqui, vêm da vida real. Não sou “produtor de conteúdo digital” desse Mefistófeles digital, minha profissão é: professor.

Não tenho o menor interesse que minhas postagens sejam “turbinadas” por robôs acéfalos. Todos nós que postamos aqui  , sobretudo textos, desejamos sim ser lidos e, se merecermos, recebermos partilhas e comentários, mesmo que discordantes. Escrevemos para pessoas, são elas que nos interessam e justificam nossa presença aqui, não robôs.

Nada contra , claro, quem deseja ser “produtor de conteúdo digital”, mas o que não pode é o face chantagear todos a sê-lo.

É como professor  que me manterei aqui: na margem, na membrana, como marginal. É na margem disso aqui que podemos, mesmo estando aqui, não cedermos a isso aqui, não sermos instrumentos deles ( que são cúmplices do “MAGA”),  e empregarmos esse espaço aqui contra eles e a favor de nós, de nossas lutas sociais e políticas por emancipação e por uma vida mais digna: lá, no mundo real.


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Como dizia Nietzsche, os homens do poder sempre tentam passar a ideia de que os valores e a ordem que lhes colocam no lugar onde  eles  estão, um lugar de privilégios e domínio sobre os outros seres humanos, esses valores e ordem  seriam  como o gelo das geleiras nos picos das montanhas: uma realidade irremovível, imutável, eterna.

Ante isso, ensinava Nietzsche, a filosofia somente tem serventia se for como o “vento do degelo”. 

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