quarta-feira, 23 de abril de 2025

A espada de São Jorge

 

Durante a pandemia perdi uma tia muito querida, uma segunda mãe para mim,  e sei que muitas amigas e amigos passaram por uma dor assim , com perdas semelhantes.

Algum tempo depois, tive um sonho muito marcante com essa minha tia. No sonho, ela me dava de presente um pequeno vaso com duas folhas de Espada de São Jorge , um caderno e uma caneta .  Ela não disse nada, mas seu gesto e expressão  diziam muito. Depois, ela me abraçou calorosamente e se foi...

A Espada de São Jorge  representa não apenas  luta contra a opressão ( tanto as opressões físicas como as  simbólicas), ela  também simboliza proteção. Foi  com ela que São Jorge enfrentou o “Dragão da Maldade”,  como dizia o cineasta Glauber Rocha.

Atena, a deusa da sabedoria, também emprega uma espada assim nas lutas contra o monstro da ignorância  e suas obscuras e diferentes faces.  E Thêmis, a deusa da justiça, igualmente segura  uma espada semelhante, instrumento da dignidade.

A espada de São Jorge também é lança de Ogum-Zumbi que não se curva à Casa-grande; essa espada também pode ser  o fio de Ariadne com o qual Bispo do Rosário bordou suas resistências criativas; e libertário é  quem escreve tendo uma espada assim transformada em caneta,  lápis, giz.

A primeira coisa que fiz quando acordei na manhã seguinte ao sonho   foi ir a uma loja de plantas aqui do bairro . Encontrei num cantinho um pequeno vaso com duas folhas de Espada de São Jorge . Elas precisavam de luz, água, enfim, cuidados. Eram as Espadas de São Jorge mais parecidas com aquelas que minha tia me presenteou desde a eternidade.

Também comprei um caderno e uma caneta semelhantes àqueles que minha querida ancestral me deu, e é nele que anoto meus escritos ( antes de digitá-los).

Todo dia cuido dessas Espadas de São Jorge e penso em minha querida tia. Elas cresceram rapidamente, tanto que precisei trocar de vaso para não impedir o horizontamento delas. De duas folhas que eram   , agora se multiplicaram: já são oito ! Elas também já  floriram,  recebendo  a visita de um beija-flor...E hoje pela manhã , bem cedinho, notei que ganhei um presente:   outra folhinha nova está brotando...

Com perseverança diária, precisamos  regar  tudo o que precisa ser regado: planta, ideia, afeto, ação, liberdade. Para que em  tudo isso encontremos uma  espada, um instrumento de resistência e luta,  que nos proteja dos “dragões da maldade”...

 

(Imagem: “São Jorge”/ Kandinsky)








 

4 comentários:

  1. Todo guerreiro tem um inimigo em si mesmo.
    Uma coisa que o torna inepto é não reconhecer suas fraquezas.
    Outra coisa que o torna tolo é só reconhecer, no oponente, torpeza.
    A coisa que o torna sábio é conhecer um segredo no antagonismo: tensegridade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, gostei da aplicação da ideia de "tensegridade". Apenas acrescentaria: "tensegridade autopoética", isto é, processo de produção de si ativa ( auto). Abraços.

      Excluir
    2. Bom dia.
      Explico que eu saía de um diálogo com Espinoza e Sun Tsu e, dada alguma sincronia dessas que ocorrem, deparei com espadas, papel e lápis.
      Na sequência, busquei a harmonia dos opostos nesse universo poético.

      Excluir
  2. BOM DIA, MANHÃ
    (robertomarques)

    Lendo,
    De costas pra janela
    Ouço as asas de um beija-flor

    Assim, posso sabê-lo
    No pé de maracujá

    Beijando-lhe a flor
    Sem nela roçar
    Com as penas sequer,
    De uma pétala, a beleza

    Poliniza, com certeza,
    Uma...Outra...

    Colhe o doce apenas,
    Com presteza

    Deixa o fruto fecundado
    De agridoce amarelo

    E nesse ato singelo
    Assim tão pequenino
    Não há troca

    Há gentileza

    Imagino
    Extasiado

    Posso ainda ser menino.

    Nessa hora, faço da minha casa, a casa comum;
    para os que vêm em paz, encontrarem a paz
    da casa comum.

    ResponderExcluir