sábado, 31 de agosto de 2024

Para ser grande

 

Há um poema de Fernando Pessoa no qual ele nos ensina o que é preciso fazermos para “sermos grandes”.

Segundo o poeta, para sermos grandes de verdade não precisamos comprar ou acumular coisas, tampouco ambicionar ser o primeiro lugar em pódios

O poeta diz mais ou menos o seguinte: “Para sermos grandes , devemos fazer como a lua que nunca se recusa a refletir-se inteira na mais simples poça do caminho”.

 A lua é grande porque ela não rejeita a poça julgando-a indigna de receber sua presença: ao contrário, é a presença da lua na poça que dignifica a poça. A lua engrandece a poça sem ser diminuída.

A lua não se reflete pela metade ou em parte na poça, ela se coloca por inteiro, nos ensinando o que é ser íntegra.

 Não é o tamanho daquilo no qual ela se reflete que faz a grandeza da lua, é a grandeza da lua que engrandece a realidade na qual ela se reflete.

A primeira vez que li esse poema foi numa aula de filosofia no antigo segundo grau.

A palavra “afeto” significa: “ser tocado”. Nem tudo que nos toca de imediato e potentemente a gente consegue compreender intelectualmente na hora. E foi assim que fiquei após a leitura: preenchido, mas sem saber pelo quê.

A querida professora que apresentou o poema disse que o sentido dele levaria tempo para se compreender,   e que eu  o compreenderia  quando dentro de minha mente houvesse um clarão. Poemas assim a gente lê para  ler-se.

Já era noite quando saí do colégio . Caíra uma tempestade durante  a tarde . No asfalto ,  aqui e ali , poças que a chuva deixou.

Eu caminhava de cabeça baixa : me pesavam, como chumbo,  as decisões que urgentemente   eu precisava tomar . O vestibular se aproximava , eu queria fazer filosofia, mas  havia o perigo que significava fazer filosofia numa época de chumbo  ainda sob   ditadura militar; também me preocupava   como eu sobreviveria materialmente com filosofia,  eu era  de  família pobre, sem recursos. 

Eu caminhava  olhando para o chão, com a cabeça  tomada  pelo peso dos  problemas, ao mesmo tempo pensando no poema.

De repente,  vi numa poça d’água a lua :  era uma lua cheia indescritível, intensamente  iluminada, linda...

A lua conseguiu abrir  uma brecha entre as nuvens  de chumbo  que ainda cobriam o céu. E de lá do alto ela  me alcançou empregando como meio uma simples poça no chão . Às vezes, realidades elevadas nos alcançam usando como meio as coisas mais inesperadas...

Quando vi a lua refletida na poça, de imediato ergui a cabeça e os olhos em sua direção   , vencendo o peso que mantinha meu pensamento aprisionado no chão.

A lua  horizontava a poça , a transformava num oceano de descobertas  e a fazia de trampolim para meus olhos se alçarem, empoemados.

E foi com os olhos assim que  vislumbrei , apesar da noite, o caminho que eu deveria seguir, pois por dentro me iluminou um clarão.




 Este belo livro descreve o clarão que pode nascer também da leitura de Espinosa:




Hoje, as redes digitais acefalizantes, como as instrumentalizadas pelo Musk, “abduzem” as mentes incautas levando-as a visões de mundo servis. O corpo dessas pessoas está aqui, porém a mente delas é abduzida   pelo tecnopoder algoritmizado que as ausentifica da vida, apequenando-as.  Sobre a “abdução” das mentes pelo uso irrefletido das tecnologias digitais, este livro é uma boa referência ( sobretudo os capítulos “Smartphones”, “Selfies” e “Inteligência artificial”).









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