quinta-feira, 27 de junho de 2024

Espinosa e o arco-íris

 

Espinosa não considera o ódio, a tristeza, a inveja, o ciúme, enfim, as paixões tristes como “vícios” da natureza humana, mas como propriedades dessa mesma natureza humana , assim como as tempestades e relâmpagos são propriedades do céu, e não vícios dele.

As paixões tristes são como que tempestades , trovões, nuvens cinzas; já as paixões alegres como o amor, a amizade e a alegria,  também propriedades da natureza humana, são brisas reconfortantes, raios de sol, arco-íris multicor. As paixões, tanto as alegres quanto as tristes, são propriedades da natureza humana que a explicam enquanto parte da Natureza.

Em Aristóteles, os “vícios” são por excesso ou por falta, sendo a virtude o “justo meio” entre o excesso e a falta: entre a falta dela mesma e excesso dela mesma. Por exemplo, a covardia é o vício da falta da virtude da coragem, enquanto que o excesso da virtude da coragem é o vício da  temeridade.

 Para Espinosa, é um absurdo supor que  a virtude pode  faltar a si mesma ou exceder a si mesma .  Exceder não é potencializar a si mesma, mas um  negar-se contraditório, no qual o negado e aquele que nega seriam o mesmo. Por outro lado,  se a virtude faltar a si mesma, ela simplesmente não pode existir e agir, na medida em que existir é agir.

 Se a temeridade, como pensa Aristóteles, é um excesso de coragem, a temeridade seria então a coragem estabelecendo para si mesma um limite para depois negar esse limite , excedendo-o. Mas tudo aquilo que é potente não se nega: afirma-se. E esse afirmar-se não é um justo meio, mas a virtude apreendida pelo meio, em seu coração actuante : assim como em relação ao corpo, ninguém sabe tudo o que uma virtude, enquanto potência, pode.

As paixões tristes não são vícios que nada explicam da natureza humana, as paixões tristes  são propriedades que explicam por qual razão a natureza humana padece e não conquista tudo o que pode, afirmando toda a sua potência.

A ideia de vício cria noções confusas acerca da natureza humana, ensejando discursos que a satirizam e zombam, ou então a condenam em nome de um ideal de comportamento  que se aplicaria apenas a santos , e não a seres humanos.

Enfim, a ideia de “vício” não nos faz compreender  adequadamente o que são as paixões tristes, e explicam muito menos ainda o que são as paixões alegres . Além disso, essa ideia de vício está sempre na boca e é instrumentalizada por aqueles que têm o pior dos vícios: o vício de  , por razões fundamentalistas,   em tudo ver demônios e , por esse motivo,  pregarem   mortificações ao corpo.




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