quinta-feira, 12 de outubro de 2023

o devir-criança do poeta

 

“Um pouco de possível, para não sufocarmos...”, dizia Foucault. Essa frase não expressa desespero, mas um desejo de criar meios para achar oxigênio  não apenas para nossos pulmões, mas sobretudo para nossa sensibilidade e mente.

Não por acaso, em grego esse “ar do possível” , oxigênio da vida, se chama “Pneuma”. Em latim, “Spiritus” ( enquanto sopro vital que une mente e corpo, como ensina Espinosa).

Creio que um sopro  assim pode ser encontrado também na poesia de Manoel de Barros. Nesse Dia das Crianças, lembrei de uma passagem de sua obra na qual se pode respirar um oxigênio alimentador de nossas ideias e práticas.

Quando fez 80 anos, Manoel de Barros recebeu pedido   de um editor para que escrevesse três memórias: da infância, da vida adulta e, sobretudo, da velhice. Com sua avançada idade, o editor supunha que o  poeta teria muito a dizer sobre si .

Passado algum tempo, o poeta enviou ao editor o primeiro livro: “Memórias da primeira infância”.  Em todos os sentidos, o livro foi um sucesso.

 Tempos depois, Manoel enviou novo livro ao editor: “Memórias da segunda infância”. Como diz Manoel, poesia é saber que      “não vem em tomos” . Assim, a segunda infância não era uma sequência da primeira , não era  uma infância posterior . A segunda infância era uma segunda ida do poeta à infância sempre primeira.

Manoel reservava ainda fôlego para uma nova ida à infância, e assim enviou ao editor um terceiro livro: “Memórias da terceira infância”. Um livro regenerador...

O tempo passou, o poeta nada mais enviou ao editor, que tomou coragem e indagou: “Poeta, suas três memórias da infância são extraordinárias, porém onde estão as memórias da vida adulta e, principalmente,  da velhice?”

Manoel respondeu : “Só tive infância”. E completou: “Nunca tive velhez. Só narro meus nascimentos”.

Essa infância, enquanto antídoto à “velhez”, não é uma determinada idade. Pois ela também é a infância da linguagem, o seu fazer-se novidade para dizer o que ainda não foi dito: “As crianças sabem dizer palavras que ainda não têm idioma”.

No poema “Invenção”, Manoel diz: “Criei um menino para me ser, ele nasceu da ponta do meu lápis”. Assim que nasceu, o menino disse ao poeta: “Você me criou para eu te inventar poeta”. Esse menino, diz Manoel, “é a criança que me escreve”. Não é, portanto, a criança que ele foi, mas um devir-criança necessário para enfrentarmos a “velhez”.

“Velhez”  nada tem a ver com “velhice”. Chico, Bethânia, Gil, Paulinho da Viola , Tom Zé , o próprio Manoel são exemplos de que velhice nada tem a ver com  velhez. A velhez é o antipossível que sufoca.

A velhez  também é a estupidez das guerras arquitetadas  por velhacos , cujas primeiras vítimas são sempre as crianças de ambos  os lados do front .  

 Arte, criatividade, educação....são potências críticas ,  criativas e cuidadoras que , apesar do clima seco e pesado, não nos deixa faltar o ar.




 

 

- Este curta narra a história de uma criança pobre de periferia que encontra um potentíssimo sopro de possível, apesar da velhez entorno:




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