sábado, 2 de setembro de 2023

a Diké Originária

“Nômade” vem de “nomos”. “Nomos” também está presente em “auto-nomia”: “governar a si mesmo”. Pois este é o sentido original de “nomos”: “governar-se” , individual ou coletivamente.

O oposto de “nomos” é o poder autoritário que violenta e tiraniza. Na mitologia, Nomos era um Daimon. O Daimon não habita o Oceano ( Poseidon) , o Subsolo ( Hades) ou o Céu (Zeus). O Daimon habita espaços de travessias sobre Gaia, a Mãe-Terra.

O Daimon-Nomos expressa a necessária travessia da injustiça à justiça, do cativeiro à liberdade, da passividade à ação, da tristeza à alegria, como ensina Espinosa em sua política.

O Nomos andava junto de outro Daimon: Diké. Em latim, Diké é Dictio, “Dizer”. Essa palavra está na raiz de “jurisdictio” ou “jurisdição”: “dizer o que é justo”. Não é o juiz o titular da Diké. A Diké é um dizer coletivo, social, e nunca a voz de um só, por maior que seja o poder desse um só.

A voz da tevê , a voz da mídia não são Diké. Nem a voz do congresso é Diké ( muito menos a voz dos juízes togados...).Diké é voz de um “demos” , como origem da “democracia”. Diké é voz da rua, voz essa que soa mais forte quando aprende a dizê-la aqueles aos quais  o poder quer calar.

Não por acaso, em grego “felicidade” se escreve “eudaimonia” : “estar na companhia de um bom Daimon”. Para o grego, assim como para os nossos povos originários, não existe felicidade apenas privada ou sozinha, pois felicidade é travessia agenciada por uma voz que luta por felicidade coletiva.

Diké é mais do que voz jurídica , pois ela também pode ser  dizer poético que Manoel de Barros, em versos, ensina: “Poesia pode ser que seja fazer outro mundo”.

Quando a lei corre riscos de  virar instrumento do poder ganancioso e depredador dos “homens brancos” , ameaçando a existência  da natureza e dos povos, o Nomos precisa ganhar voz e se tornar Diké Originária: voz que , unindo a cidade às aldeias, clama por justiça dos povos originários.

Não ao Marco temporal!






 


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