quinta-feira, 6 de julho de 2023

Espinosa & Manoel

 

Espinosa foi excomungado, xingado e ofendido pelos intolerantes enquanto ele viveu. Porém, como ensina o poeta Manoel de Barros, além da existência que recebemos da natureza, podemos ainda conquistar outro tipo de existência.

A existência que recebemos da natureza nos faz ser constituídos de carne, nervos, órgãos, ideias, pensamentos , quereres, sonhos... Mas a outra existência que podemos conquistar é uma existência “letral”, para assim pôr nossas ideias , pensamentos, quereres e sonhos vivendo no corpo da letra e da palavra, para que letra e palavra sejam mais do que letra e palavra: sejam também nossa vida metamorfoseada em poesia.

Espinosa conquistou uma vida assim: uma vida letral que nos ajuda a potencializar a vida que recebemos da natureza.

Mas depois que Espinosa faleceu, os inimigos do pensamento quiseram também destruir o ser letral de Espinosa. Os obscurantistas queriam lançar os livros de Espinosa na fogueira da ignorância.

Contudo, alguns alunos-amigos de Espinosa, fiéis às aulas que receberam do filósofo em conversas e trocas de cartas, aulas essas que partejavam  o Espinosa-letral enquanto ele ainda estava vivo,  assim potencializando a vida daqueles que com ele aprendiam, esses alunos-amigos guardaram o Espinosa-letral junto consigo, como parte viva deles.

Esses alunos-amigos de Espinosa não eram filósofos importantes, não eram pessoas de poder ou ilustres acadêmicos. Assim, o Espinosa-letral foi guardado como obra clandestina, subversiva, porém guardada com amor e afeto, para que , no futuro, o Espinosa-letral pudesse continuar a ser conhecido e despertar mentes, corações e  espíritos .

O Espinosa-letral ficou muito tempo guardado e sendo conhecido por poucos, pois os intolerantes sempre estavam vigilantes e querendo tacar fogo no Espinosa-letral, enquanto  continuavam  a ir  no túmulo de Espinosa para cuspir seus ódios sobre a lápide do filósofo...

Não foi nas aulas dos filósofos  acadêmicos da época  que o Espinosa-letral se manteve vivo. Espinosa-letral se manteve vivo no coração e mente dos insubordinados de espírito livre que o liam clandestinamente.

Somente quase 100 anos após o Espinosa-pessoa ter morrido , que o Espinosa-letral foi descoberto para nunca mais ser esquecido por um público mais vasto. E quem o descobriu não foram os filósofos, quem o descobriu foram os poetas libertários, que viram em Espinosa um companheiro deles.

 Esses poetas não liam Espinosa para teorizarem, eles liam Espinosa para poetarem um pensar originário, no qual poesia e filosofia brotavam da mesma fonte inesgotável. Esses poetas encontravam em Espinosa a mais libertária poesia que um filósofo já foi capaz de criar, uma poesia para pensar o Infinito e vivê-lo aqui, já.

Se Espinosa hoje é estudado  na academia filosófica, isso se deve, primeiro, aos seus alunos-amigos  que, com coragem, foram fiéis ao Espinosa-pessoa e ao Espinosa-letral. O Espinosa-pessoa  foi guardado em seus corações e mentes, enquanto o Espinosa-letral, além de ser guardado em seus corações e mentes, também foi guardado em lugar seguro , além de  circular  de mão em mão, como lanterna que mostra o caminho , apesar da treva.


                                       À memória do aluno-amigo Alex James.


( este livro é apenas uma sugestão de leitura)





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