Para Matheron comentando essa questão em Espinosa, só há singularidade no seio de uma comunidade. Por ser relacional, a ideia de singularidade implica a de uma comunidade. Já a ideia de indivíduo se contrapõe à de comunidade.
Indivíduo e singularidade, portanto, não significam a mesma coisa, assim como não são o mesmo sociedade e comunidade.
A sociedade é uma dimensão sociológica, ao passo que a comunidade , além de ser sociológica, também é existencial, política e ontológica. Em geral , uma sociedade se define em termos quantitativos e geométricos ( periferia, centro, áreas...), já uma comunidade é sempre geopolítica , vetorial, pluridimensional, acentrada.
Enquanto a noção de sociedade pressupõe a de uma associação de indivíduos que estabelecem um “contrato original” que os leva a instituir um Poder acima deles identificado com o Estado, a ideia de comunidade está assentada na noção de “comum”, a potência imanente do comum em cada singularidade, cujo liame não é um contrato, e sim ideias e afetos .
Há certa abstração na noção de sociedade, ao passo que a de comunidade implica sempre a de pertencimento e relações de vizinhança.
Em geral, um bairro é parte de uma cidade,
porém uma comunidade é um espaço que não se explica apenas geograficamente, uma
vez que é um território existencial até mesmo de resistência à lógica
excludente da cidade.
As cidades se estabeleceram e cresceram a partir do comércio, inclusive do hediondo comércio de escravos, já as comunidades são espaços de resistência à comercialização e banalização da vida.
Não há constituição de um modo de vida autônomo a não ser no seio de uma comunidade, ainda que seja uma comunidade virtual ou uma comunidade por vir.
Enquanto as associações filosóficas seguem a lógica associativa das sociedades comerciais, as comunidades filosóficas devem ser espaços como os das comunas , aldeias ou quilombos : espaços de conexão rizomática e agenciamento de singularidades livres nos quais são afirmadas potências imanentes.
Comunidades assim não existem apenas por fora, pois elas começam a ser construídas primeiro por dentro, na prática do ensino e aprendizado de ideias e afetos plurais, heterogêneos, singulares , enfim, libertários.
Caro Prof.
ResponderExcluirPode parecer meramente uma ideia utópica mas peço que aceite como um convite a elucubrações.
Pensemos em desenvolver uma discussão propositiva com gente interessada em adiar o fim do mundo e acelerar o fim da submissão planetária aos interesses do capitalismo.
A resistência contra essa ação nociva de acumulação seria tanto mais eficaz e efetiva quanto mais fosse descentralizado o poder sobre as moedas utilizadas nas trocas comerciais.
O sistema econômico mundial, o desenvolvimento de tecnologias modernas, as contradições ideológicas e as teorias econômicas; apresentam já as condições materiais objetivas para um movimento de mudança de rumo nessa direção. Não falta conhecimento à humanidade.
Já seria possível que o tempo de trabalho humano realizado por cada pessoa, fosse tomado como lastro garantidor de uma moeda escritural social (passível de câmbio num mercado de moedas, de livre escolha e fora do controle estatal), e que, assim, constituísse um óbice à acumulação desenfreada de capitais privados.
A garantia da moeda não mais precisaria ser uma commodity, a substituir cédulas e títulos em uma operação posterior; mas um ativo consubstanciado pelo trabalho anteriormente realizado.
Em resumo: nem petróleo nem ouro. O tempo dedicado a realizar o trabalho traduziria a riqueza produzida e negociada; o que permitiria limitar a acumulação e a concentração. Esse seria o mérito.
E ainda: encilharia o fetichismo da mercadoria e o poria a rédeas curtas nas mãos de quem as produzisse.
Por exemplo, imaginemos uma economia colaborativa e integrada, com unidades de produção (tipo cooperativas em nível local), onde o tempo da mão-de-obra fosse contabilizado para fim de remuneração conforme a lucratividade do negócio.
Uma moeda de um banco social, local, no molde de uma URV (Plano Real), com aceitação mercantil.
Um dinheiro conversível em câmbio corrente para qualquer outra moeda (digital, cripto ou fiduciária), para pagamentos em outras praças. Porém, sob controle e auditoria social.
Ao contabilizar créditos junto a suas unidades de produção e comercialização, (sendo esses créditos conversíveis em moeda corrente, sob controle direto desde a origem); na prática, os trabalhadores estariam:
fornecendo o lastro a uma moeda social;
financiando a sua atividade econômica; e,
investindo no desenvolvimento local.
A descentralização do poder de emitir moedas para trocas comercias (pela via das moedas contábeis e/ou digitais e pela livre escolha do câmbio) traria um paradigma e um paradoxo. Compreendamos que essa capacidade de emissão da moeda nos libertaria da compulsão pela acumulação do dinheiro.
Isso será factível na medida que o valor da mão-de-obra, o valor da mercadoria e o valor da moeda sejam decorrentes do valor atribuído ao tempo de vida dedicado à produção das riquezas. E, na medida que, nesse processo, o valor seja atribuído por aqueles que emprestam vida e tempo a tudo isso. Tempo e Vida.
Talvez! E, apenas talvez, essa ideia preste a desenvolvermos uma espiral que nos conduza a uma economia orgânica.
RMF