sábado, 25 de março de 2023

os "nadifúndios" do poeta

 

Há dois sentidos para a palavra “nada”. O primeiro deles vem do latim  “nihil.” Essa palavra é a origem de “niilismo”, um comportamento-sintoma que não deve ser confundido com o mero pessimismo ou negativismo, pois o niilismo reativo  pode se esconder sob máscaras as mais diversas  em comportamentos tidos aparentemente  como “positivos” , “normalizados”.

Além de “nihil” significar “nada”, nihil também significa “nulo”. No Direito, por exemplo , usa-se a expressão “nihil” para designar atos que são juridicamente nulos.

Assim, o niilismo não é um culto ao “Nada” ou ao “Nirvana”, o niilismo reativo é um comportamento cujo valor  para a vida é nulo, sem autenticidade .   

Por exemplo, os cultuadores do poder teológico-político vivem evocando a ideia de “Verdade”, porém essa ideia de “Verdade” na boca deles é nula , pois anula a própria ideia autêntica de verdade. A “Verdade” deles não é uma mentira, é uma “nulidade”: enquanto a mentira se explica no âmbito da linguagem, a nulidade-niilista é mais grave, uma vez que ela expressa uma estreiteza existencial .

Muitos espertalhões usam a palavra “Deus” como cabo eleitoral deles. Embora falem em Deus para combater o “ateísmo comunista”, esse Deus deles, porém, anula a própria ideia do que se espera que seja Deus: esses espertalhões anulam a ideia de Deus muito mais do que a negação feita pelos ateus.

O anarquismo critica a necessidade de partidos, mas não nega a política; já a extrema-direita fascista e os partidos  do “centrão” são nulos de ideias políticas. Uma coisa é criticar uma realidade, outra bem diferente é tornar nula uma realidade pela inautenticidade com a qual se a  pratica.

Se retirarmos as máscaras atrás das quais se esconde o niilista, veremos que sua “Verdade”, seu “Deus” e sua “política” são  apenas um coisa:  o dinheiro ( alguns deles preferem “joias”...).

Mas há outro sentido para a palavra “nada”, sentido esse  originado do latim “nata” ( raiz de “natal”: “lugar onde se nasce”). Esse sentido talvez explique o motivo de Manoel de Barros afirmar que sua poesia vem de suas “natências” ou “nadifúndios”, enquanto riqueza de vida que  nos protege das pobrezas existenciais niilistas.

 O saber que apreende esses “nadifúndios” chama-se : ignorãça. Ignorãça não é ignorar o nome das coisas, ignorãça é saber de coisas que ainda não têm nome : “As coisas que ainda não têm nome são mais ditas pelas crianças”, ensina o poeta.

Uma caneta de ouro na mão de um niilista ,mesmo que ele tenha poder e dinheiro, escreve só pobreza. Já o simples lápis do poeta retira do nada de suas natências a sua riqueza: “Na ponta do meu lápis tem apenas nascimento.”

Manoel  põe nascimento em seu lápis para que a gente, ao lê-lo, de vida se enriqueça : “Perder o nada é um empobrecimento” , afirma o poeta.

(obs: existe ainda o “niilismo ativo” mencionado por Nietzsche, “só podemos destruir sendo criadores”,  que nada tem a ver com o “niilismo reativo” que abordamos aqui).




 

Ao aniversariante da semana: Jorge Ben Jor ( que fez 84 anos!):



 

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