Os estoicos diziam que além de sua
parte teórica e de sua parte prática, a filosofia também compreende uma
terceira parte ainda, tão fundamental quanto as anteriores. Essa terceira parte
é a preceptística[1] :
a arte dos conselhos de como agir , sobre si e sobre o mundo.
Enquanto a parte teórica desenvolve a inteligência, a preceptística auxilia na
formação do caráter. Ou seja, não basta
estudar teoricamente a parte prática ( a
ética), é preciso literalmente pô-la em prática.
A preceptística tem dois lados: a
fonte na qual são produzidos os conselhos, e os ouvidos aos quais se dirigem
esses conselhos. Ouvidos que ouvem como devem ser ouvidos os conselhos nunca são ouvidos passivos, isto
é, nunca são ouvidos habituados a ouvirem apenas ordens. Pois conselhos que
visam formar o caráter ( éthos) nunca são ordens.
É preciso, portanto, um ouvido perseverantemente
ativo para apreender o que ensina o
conselho, e uma audição assim nunca começa
e termina apenas no ouvido, uma vez que essa
audição se liga também às pernas,
braços, coração e inteligência, para dessa maneira agir. É todo o nosso ser que deve fazer-se ouvido de uma audição que nos desabre, como ensina o poeta Manoel de
Barros.
Mas não basta ouvir conselhos para tornar alguém filósofo, pois filósofo é quem pode ser fonte de conselhos: não só falando ou escrevendo, mas sobretudo agindo, servindo de exemplo. Os conselhos ouvidos formam, os conselhos emitidos ajudam a formar.
O filósofo é fonte de
conselhos porque ele , antes, teve ouvidos para ouvir conselhos que o formaram
como filósofo. Essa formação nunca termina, pois o conselho que o filósofo
endereça ao outro, antes ele endereça a si mesmo, esforçando-se para ser o primeiro a seguir aquilo que sua boca
fala ou sua mão escreve. Como ensina Plotino: esculpindo a si mesmo, o filósofo nunca termina de fazer sua própria estátua, cujo modelo não é o próprio ego , mas o universo.
De tal modo que o filósofo sempre mantém atentos e abertos seus olhos e ouvidos, para assim aprender o que lhe ensinam o tempo, a vida, a natureza, enfim, o próprio cosmos.
Quando alguém passa de ouvinte de conselhos a fonte dos mesmos, tornando-se assim filósofo? Quando nasce a autoconfiança, ao mesmo tempo potente e modesta, que faz da filosofia não só um estudo, mas antes de tudo um modo de vida.
[1] Sêneca,
Cartas a Lucílio, “Carta 94”. Tal como a entendiam os estoicos, a "física" está implicada na parte corpórea desse aprendizado, já que nosso corpo é parte da natureza.
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