quinta-feira, 27 de outubro de 2022

fluxos manoelinos...

 

O poeta-pensador Manoel de Barros  ensina : “Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”

O trilho representa um caminho já dado, um caminho que rouba o ir livre dos nossos passos. Quem anda em trilhos não reinventa caminhos: passivamente aceita o destino que lhe traçaram.

Na mitologia Grega, trilho assim era a representação do férreo Destino governado pelas   sinistras Moiras.

Muito diferente era o Fio de Ariadne enquanto fio do Afeto libertário: fio puxado de um novelo inesgotável. Fio para bordar caminhos a serem inventados.

A água que corre é muito diferente do líquido contido e estagnado em recipiente limitado . Muitos dizem que vivemos “tempos líquidos”... O líquido é uma realidade volúvel, volátil, tal como a liquidez do capital e seu mercado.

Mas a água de que fala Manoel é fluxo de vida inaprisionável: ela é riqueza que não tem preço, e impulsiona os não conformados.

Os fluxos ou inventam caminhos onde possam avançar , ou então secam ( porém a secar resistem com a máxima  potência que podem).

Os fluxos correm entre as pedras, e nunca se submetem ao poder paralisante delas. Pois um fluxo é como o sangue que corre nas veias: se não avançar, perece.

Os fluxos somente podem ser guardados em espaços  abertos. E abertos se tornam a sociedade, a mente e o afeto se um fluxo de vida os atravessa.

Um fluxo é fluido, mas não é sem força ou volúvel; um fluxo  é firme, possui consistência, porém não é rígido. Pedras não  vencem o  avançar de um fluxo ,  enquanto viver a fonte da qual ele brota: “A cisterna contém, a fonte transborda”(Blake).

Os versos de Manoel também nos ajudam a distinguir entre “liberdade” e “libertário”. Ser libertário é pôr a liberdade em ação, pois liberdade nada é se não for ação : ação de educar, ação de amar, ação de aprender, ação de revolucionar, mesmo que sejam pequenas revoluções micropolíticas realizadas no aqui e agora, já.

O fascista sempre diz: “o Supremo quer cercear minha liberdade”, pois o fascista instrumentaliza a ideia de liberdade a seu favor, para assim pregar barbaridades. Mas nunca um fascista pode ser um libertário, pois ser libertário é exatamente ser antifascista. O contrário  de libertário é reacionário.   

“Liberdade” às vezes é apenas uma palavra vazia que une fascistas-militaristas e liberais reacionários, a caserna e o mercado.

Liberdade é um substantivo , porém ser libertário é fazer-se verbo que se conjuga em vários modos, tempos e pessoas. Pois não apenas o “eu” é pessoa, também são pessoas o tu, o ele...e sobretudo o nós enquanto pessoa plural que se diz em múltiplas e heterogêneas vozes.


(imagem: “Sherazade”, obra de Hilal Sami. Sherazade é a poeta-libertária que enfrentou e venceu o sinistro Sultão. Todas as  ideias que  libertam se agenciam num fluxo que se horizonta e avança  indo em frente, como libertários que se dão as mãos).






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