quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Ao Dia das Crianças e ao devir-criança que precisamos (re)criar todos os dias

 

É por volta dos seis  anos que a criança começa a levantar questões: “o que é vida?”, “o que é o tempo?”, “de onde vim?” , “para onde vou?”... Nessa idade, toda criança é uma filósofa.

 Antes, quando aprendeu a andar, a pequena criança pôs-se de pé vencendo a gravidade . Agora, quando começa  aprender a pensar, a  criança também quer   levantar-se e pôr-se de pé, exercendo a compreensão de si e do mundo.

 É de pé que se podem ver  horizontes, tanto os externos quanto os internos : pôr-se de pé  é “horizontar-se” ,  ensina o poeta Manoel de Barros.

Esse impulso para levantar-se é a força da vida se expressando na criança; e a educação nada é se não for um meio para manter esse impulso ainda mais vivo e potente, pois é na singularidade da criança que também se ergue a humanidade, por mais que tiranos a queiram de joelhos.

A criança levanta questões para levantar-se. E mais importante do que as respostas que possamos dar, mais importante é manter vivo esse impulso de questionar , para que a criança, crescendo por fora e por dentro, possa se levantar mais alto do que a gente mesmo que a ajuda a levantar-se : para que o futuro que há nelas também   nos erga.

Quando levanta questões, a criança não quer que a gente a coloque nos nossos ombros  para torná-la dependente  das  nossas pernas adultas cheias de certezas; ela quer se levantar com as próprias pernas, mesmo que seja para depois sair correndo brincativamente numa  linha de fuga lúdica.

E se nossas pernas quiserem alcançar aonde vão as crianças, é preciso criar em nós também um devir-criança.  Pois a própria criança nos ensina que pensar não é reproduzir ou obedecer, pensar é erguer, erguendo-se. E o tamanho conquistado será da amplitude das questões levantadas.

Segundo  o poeta  Fernando Pessoa,   o que nos põe de pé não são pés e pernas, o que nos põe de pé é a coluna  cervical , cujo formato lembra exatamente um ponto de interrogação [? ].  Os pensamentos e quereres nascem na cabeça, porém não chegariam às mãos e pernas, transformando-se em ação sobre o mundo,  se não fosse pela coluna cervical  que transforma pensamentos e quereres em impulso que move o corpo.

A coluna cervical une a teoria à prática, o sonho à realidade, a utopia à efetividade, enfim, o que apenas pensamos internamente  ao que precisa ser feito  externamente e no mundo.

Certa vez , perguntaram ao poeta Sérgio Sampaio o que ele achava do envelhecer e do passar dos anos. O poeta respondeu mais ou menos o seguinte: “Cada ano que passa é um garoto novo que o tempo junta aos outros garotos que ele em mim já criou. Hoje tenho 40 anos : são 40 garotos que sou. Cada um deles me recriou”.

 

( imagem: “Poesia” / Haroldo de Campos)











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