domingo, 27 de março de 2022

filosofia e modo de vida

 

O filósofo Pierre Hadot ensina que a ideia de “conversão” tem uma origem filosófica. A palavra “conversão” significa “voltar-se para” ou “religar”.

Enquanto conversão, a filosofia não é só um discurso, ela é antes de tudo  uma prática: uma prática de construção de uma vida filosófica.

Em Plotino, por exemplo, a conversão filosófica acontecia quando a alma se voltava novamente para o Uno, espécie de “Útero Cósmico” do qual tudo proveio.

Segundo Plotino, a alma sai do Uno descendo . E quanto mais ela desce, mais ela vai se afastando do Uno e se vestindo com vestes que, camada sobre camada, tornam a alma pesada com o peso do supérfluo:ideias supérfluas, sentimentos supérfluos, palavras supérfluas, projetos de vida supérfluos , enfim, um existir supérfluo é o preço que a alma paga  quando vai  para longe do Uno. Pois esse ir para longe do Uno não é um avançar ou progredir, e sim um perder-se.

A conversão plotiniana se inicia quando a alma sente o peso dos valores e opiniões que tão ferreamente carregava, imaginando que isso era liberdade, quando na verdade é o fardo e peso de grilhões.

Voltar-se para o Uno não é prática meramente teórica. Esse retorno não é um progredir no acúmulo de conhecimento, e sim um salto, uma metamorfose, o clarão de um relâmpago no seio da noite espessa.

Então, a alma compreende que as vestes que a cobrem são armaduras, carapaças, máscaras que lhe escondem a face nua. Pois é nua, recuperando sua “verdez inaugural”, como diz o poeta Manoel de Barros, que a alma consegue , estando nua, não se sentir com frio ou desprotegida, mas plena .

É nua que a alma volta à fonte , como um raio de sol que pudesse retornar ao sol e ser , pelo próprio sol , intensificado  e iluminado, por fora e por dentro. A conversão é o raio de sol sabendo-se sol.

A conversão filosófica é sempre um voltar-se para a vida, religando-se a ela. Por isso, o acontecimento que mais expressa a conversão filosófica é o nascimento. A autêntica conversão filosófica nunca é um cultuar  a morte em seus vários sentidos , e sim reencontrar , produzir e afirmar os inauguramentos, as natências, a não velhez, enfim, refazer-se embrião do qual possa nascer realidade nova.

Assim compreendido, filosofar não é , como dizia Platão, “aprender a morrer”; filosofar é voltar-se para o nascer enquanto (re)começo de todo viver que se afirma e persevera.

 

“Só escrevo meus nascimentos.” (Manoel de Barros)


“Hoje se toma por sonhador aquele que vive o que ensina .” ( Hadot)


“A filosofia transformada em livros deixou de instigar os homens. O

 que nela existe de insólito, de quase insuportável, se escondeu na

 vida decente dos sistemas.”( Merleau-Ponty)





Nenhum comentário:

Postar um comentário