domingo, 30 de janeiro de 2022

conversações filo-poéticas

 

O filósofo Deleuze ensina que pensar é prática que se faz em conversação. Essa palavra vem de  “con-versa”, cuja raiz é o termo “verso”. O sentido original de “verso” é : “voltar-se para”.

Assim, “verso” significa algo que não existe sozinho, pois está umbilicalmente ligado a outra coisa, tal como o verso de uma página ou o verso de uma moeda, cujo existir  implica a existência do outro lado delas,  seu  anverso .

 No poema, a palavra se torna verso porque seu anverso é a sensibilidade que pensa e sente. Verso é palavra  que nunca existe  sozinha  , pois ela é  o corpo cujo anverso  é o sentido que uma alma sentiu ,  pensou e  expressou por intermédio dela. Lendo ou escrevendo , quem poetiza conversa consigo, com os outros, com a língua, com o cosmos...

Palavra que é verso nunca é apenas palavra: ela é o lado visível cujo anverso devemos encontrar dentro de nós, em nossa sensibilidade intensificada. Por isso, o sentido de um verso nunca está apenas nele mesmo, seu sentido  está também em nós que o lemos, lendo-nos.

Con-versar é : “voltar-se para o outro.” O outro em sua diferença como parte do sentido que construímos agenciados, cada um sendo verso e anverso do outro. Conversar não é só saber falar, também  é saber escutar, sobretudo os silêncios.

A  conversação interna, sem a qual não há autoconhecimento, é prática de devirmos outro, para assim sermos, ao mesmo tempo, a página na qual se escreve e autor que escreve na página, sempre procurando escrever um sentido novo.

Em toda conversação se concorda ou discorda das ideias apresentadas , pois  a conversação argumentada é a base não só da educação emancipadora ,  ela também o é  da convivência democrática.

“Concórdia” e “discórdia” têm por raiz a palavra “córdis”: “coração” ( no sentido amplo da palavra). Assim, concordar é manter nosso coração, enquanto sede do Afeto, unido a uma ideia que partilhamos com o outro. Discordar, ao contrário, é retirar nosso coração de junto de uma ideia que outra pessoa defende.

Discordar não é a mesma coisa que odiar. O ódio é mera destruição, ao passo que a discórdia nasce quando separamos   nosso coração da ideia que outra pessoa professa, sem que isso signifique destruição ou agressão ao coração do outro.

Já o  ódio é a vontade reativa de destruir não só as ideias  , mas sobretudo o coração do outro enquanto núcleo  de sua existência.

Os autênticos amigos não só concordam, eles também  sabem discordar sem ferir o coração do outro.

Nas relações pessoais e sociais não autoritárias ou monologais, não só a concórdia  tem sua razão de ser, também o tem a discórdia.

Não há aprendizado do conviver democrático  apenas concordando  sem nunca discordar, pois na convivência não tóxica das diferenças pode haver discórdias, sem que disso nasçam ódios.


"Sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo."(Caetano Veloso)







Nenhum comentário:

Postar um comentário