segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

o despertar

 

Os filósofos Deleuze e Guattari  diferenciam “múltiplo” de “multiplicidade”. Ambas as ideias podem ser expressas numa fórmula. A fórmula do múltiplo é “n + 1”, já a fórmula da multiplicidade é “n -1”. 

Nessas fórmulas,  a letra “n” significa uma quantidade que não pode ser determinada por um número fixo ou exato, já o número “1” simboliza a ideia de “unidade”. Assim, muitas coisas aparentemente são múltiplas , porém pode ocorrer de uma instância se colocar  acima delas como detentora do  poder sobre elas, isto é, como o “1” querendo-se  superior .

Os rebanhos de toda espécie , por exemplo, têm múltiplos elementos, porém um “pastor” ( no sentido literal ou figurado)  os governa impondo-lhes "Uma" verdade. E assim nascem os dogmas, as “cartilhas”, bem como as perseguições paranoicas aos “hereges”.

Já a  multiplicidade é “n-1”: ela é diversidade aberta que impede que se descole dela, querendo pôr-se acima,  algum elemento dela com a pretensão de ser o 1.  O sinal de  menos expressa que a multiplicidade nunca se subtrai a si própria.

 Na fórmula “n+ 1”, o “1”  é o poder e “n” é  o múltiplo governado por esse  poder, ao passo que  “n -1”  expressa a multiplicidade  como potência autogovernada e em expansão, afirmando-se.

A democracia representativa pode , às vezes, ficar sob o risco  de certo    “n+1” fascista , no qual o “1” é o discurso autoritário de tiranos   que negam a democracia e sua pluralidade , tal  como se vê na palavra de ordem autoritária: “Pátria , Deus e  Propriedade acima de todos”.

 Mas a democracia enquanto potência da própria vida  é sempre “n -1”. Espinosa chamava essa democracia de “multitudo”, Deleuze e Guattari a nomeiam “rizoma” : a “utopia imanente”.

 

(imagem: na ruas do Chile, enquanto  parte da multitudo , a bailarina salta para afirmar a arte contra a barbárie do   "1" que reprime o "n" da multiplicidade enquanto diferença agenciada. A própria bailarina  deu um nome ao seu salto: "O despertar" . Que esse despertar nos inspire a acordar , enfim, do pesadelo que nos sufoca desde o golpe de 2016...)




- da trilha sonora do filme "Mariguella":




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