quarta-feira, 24 de novembro de 2021

manoel & espinosa

 

1- Desde menino, o filósofo Espinosa demonstrava uma capacidade impressionante para  “ler” as pessoas.  Ele possuía o que hoje se chama “inteligência afetiva ou emocional”, característica presente  nas pessoas  dotadas de grande saber intuitivo acerca da natureza humana, tanto as suas luzes como as  sombras.

Sabedor disso, o pai de Espinosa, que era  comerciante e se chamava Miguel, sempre pedia conselhos ao seu filho acerca da índole de determinado devedor. Embora contasse   apenas 11 anos de idade, com olhos penetrantes o menino Espinosa conseguia distinguir quem estava em reais dificuldades (cuja dívida não era cobrada) ,  de quem fingia aperto apenas para bancar o esperto e “se dar bem” às custas dos outros.

Certa vez, “Seo” Miguel  nutria  esse tipo de dúvida acerca de uma senhora que lhe devia  determinado valor. Ele pediu ao menino Espinosa para ir à casa de tal senhora. O menino foi.

Quando o menino Espinosa  bateu à porta da residência da senhora  , esta semi-abriu a porta , mal conseguindo disfarçar certo nervosismo ( pois ela  já adivinhava  o motivo da visita).  Antes de fechar de novo a porta, ela disse ao menino: “Espera um instante ,  estou lendo a Bíblia, primeiro nossos compromissos com Deus”.

Ela leu bem alto a Bíblia , de fora dava para ouvir. Depois, reabriu a porta já com certa soma de dinheiro na mão. Ao mesmo tempo em que colocava rapidamente a soma na mão do menino, disse-lhe: “Os homens de bem sempre leem a Bíblia e falam de Deus, nunca  se esqueça  disso menino. Agora vá”, e fechou abruptamente  a porta.

Após alguns segundos, ela ouviu novamente batidas à porta. Quando abriu, viu de novo o menino Espinosa, que com calma, mas firmeza, lhe falou: “Minha senhora, o valor que a senhora me deu está faltando.” Após isso, estendeu a mão aguardando que nela fosse depositada não exatamente o  dinheiro faltante, mas sim a verdade.

 

2- Manoel de Barros se formou em Direito. No entanto, seu primeiro cliente foi também o último. Tratava-se de um peixeiro  acusado de desonestidade no uso da balança : na hora de pesar a mercadoria, sorrateiramente ele apoiava o dedo para aumentar o peso de forma fraudulenta.

Uma senhora prejudicada pela desonestidade do mau peixeiro   resolveu  abrir um processo contra ele. Era a palavra do peixeiro   contra a da senhora que o acusava, pois não havia outra testemunha, embora a fama do denunciado  não fosse boa.

Na primeira vez em que esteve com o peixeiro, Manoel pediu para conversar a sós com  ele, e indagou: “É verdade o que ela diz? Você burlou o peso?” E o dissimulado respondeu: “É verdade. Mas fique tranquilo: pagarei  bem a você.” Manoel pediu  licença   ao farsante e foi conversar com o dono do escritório de advocacia, dizendo: "Desisto do caso, não vou defender a mentira desse homem.  A invenção de que gosto é de outro tipo: é a  poesia”.




 

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